07 de março de 2016 | N° 18466
DAVID COIMBRA
Lula é o pai em perigo
Há dois episódios da Revolução Francesa que, de alguma forma, explicam a irracionalidade dos apoiadores de Lula. No primeiro, o povo marcha 14 quilômetros de Paris a Versalhes e se detém diante do palácio, gritando gritos de fúria contra a realeza. Estão prestes a arrombar as portas, quando a rainha Maria Antonieta surge na sacada. Reis e rainhas nunca eram vistos pela escumalha, naquela época sem Jornal Nacional. Pois bastou a visão da rainha para os oprimir. Todos se calaram, impactados, por longo momento.
Na outra cena, os revolucionários já haviam invadido o palácio, já gritavam que queriam o rei, o rei, e eis que Luís XVI veio de seus aposentos privados e, na imponência de seu 1m92cm de altura, postou-se na frente deles. Ver o rei ao alcance da mão foi tão impressivo, que dois dos revolucionários desmaiaram ali mesmo. Quem eram os cidadãos Luís e Maria Antonieta, tirando-lhes cetro e coroa?
Ela, uma mulher fútil; ele, um homem fraco. Na intimidade, não impressionavam ninguém. O que impressionava era a imagem de pais da nação. Observando de longe o desvario que tomou conta do Brasil por causa da condução coercitiva de Lula, compreendo que os lulistas sentem idêntica necessidade de veneração de uma figura que lhes parece além e acima deles próprios. O esfacelamento moral desse herói é o que Freud chamaria de morte do pai.
É algo passional, é edipiano. As pessoas sensatas tinham de entender o que demonstra essa agitação: que o Brasil continua sendo o país em que as elites exigem privilégios como se fossem direitos. Se não mais a elite econômica, a elite política.
Cento e dezessete pessoas foram conduzidas sob coerção, na Lava-Jato. Não há notícia de que alguma delas tivesse se negado a depor. Os lulistas tiveram 116 chances de se manifestar contra o instrumento da condução coercitiva. Não o fizeram. Ao contrário, ficaram extasiados com cenas de empresários entrando na delegacia.
Por que com Lula teria de ser diferente?
Na verdade, o que se tenta fazer é transformar Lula em vítima. Foge-se, assim, da explicação de tudo o que está pessimamente explicado pelo ex-presidente.
E, entenda, não estou defendendo a ferramenta da condução coercitiva nem a eventual prisão de Lula.
Não odeio Lula. Tenho a convicção de que ele fez muito mais mal do que bem ao Brasil, isso é certo. O país vai levar pelo menos 20 anos para se recuperar dessa infausta década e meia. Mas reconheço em Lula um vencedor. Sei que tem boas qualidades. É dono de uma inteligência viva e de rara intuição. Como líder, seu mérito é se cercar de pessoas leais. Como político, poucos sabem ser tão pacientes. Mesmo assim, está longe de ser o maior político da história do Brasil. Conheci vários mais qualificados.
Lula se beneficiou da decadência da política brasileira. Collor fez estrogonofe dele em 1989. Depois, Fernando Henrique o espancou duas vezes. Lula ganhou a Copa do Brasil jogando contra o Paulista de Jundiaí.
Já votei em Lula. Já o defendi. Mas não me considero traído, não cevo por ele qualquer sentimento de mágoa ou outra pieguice do gênero, até porque nunca vi nele, ou no PT, projeto de país. O que estou dizendo é que não há passionalidade na minha análise deste assunto tão passional para os brasileiros.
Para os petistas, Lula é o messias perseguido pelos malvados que odeiam pobres. Não é. Seu governo se beneficiou da corrupção. Está provado. Se ele se beneficiou também, se sabia do que se passava, é o que se está tentando apurar. Os brasileiros sensatos deviam saudar a investigação da Lava-Jato. A Lava-Jato está mostrando, pela primeira vez em 500 anos, que somos todos iguais.
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