mario sergio conti
01/03/2016 02h00
Armazém da utopia
Autor de 'Notícias do Planalto', obra que dissecou as relações entre a Presidência de Fernando Collor e a imprensa, começou sua trajetória como jornalista na Folha em 1977. Escreve às terças.
Armazém da utopia
A festa de 36 anos de aniversario do Partido dos Trabalhadores teve seu tanto de farsesco, mas não foi inócua. Serviu para mostrar que, acossados pela recessão e pela impopularidade, o partido e Lula ainda têm o que dizer –mesmo que de maneira vaga, em recinto fechado e para poucos.
A direção do partido esperava que quatro mil militantes fossem à balada de sábado, no Rio. Menos de duas mil pessoas se abalaram até o Armazém da Utopia, à beira da Baía da Guanabara. Parte do público foi atraída pela bateria da Portela, contratada por R$ 7 mil, e pelo sambista Diogo Nogueira, cujo cachê não foi dito.
Armazém da Utopia é um nome apropriado. Ressalta as diferenças entre o partido criado numa reunião sisuda no colégio Sion, mas que sonhava, e o show pré-fabricado do sábado, no qual animadores instavam as pessoas a serem apenas plateia, e olhe lá.
O manifesto de fundação afirmava que o PT era a "expressão política de todos os explorados pelo sistema capitalista". Propunha-se a formar "organizações de base" para que "o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores".
O partido seguiu o curso realista, tão decantado. Amoldou-se aos usos e costumes da terra. Parte de seus dirigentes se abastardou. A sua passagem pelo poder trouxe, sim, ganhos para o povo pobre. Eles vieram de cambulhada com o populismo e a alienação. A liberação ficou para nunca mais, entulha o armazém de velharias. Sem serventia, a utopia junta pó.
Na apoteose da noitada, Lula não se entregou à saudade da fundação do partido. A nostalgia, como se sabe, é um sentimento nefando. Em política, é sinônimo de não ter o que propor ao presente.
E Lula tinha algo a oferecer à fatigada militância: a saudade com data de vencimento. Por isso, fez um discurso no qual apelou para a memória do seu governo, lembrou aos esquecidos os bons dias dos deserdados naquele passado brumoso.
Falou também do futuro, admitindo ser candidato ao Planalto em 2018. Faz sentido. A última enquete do Datafolha informa que hoje ele estaria no segundo turno, quaisquer que sejam os adversários. Mesmo enxovalhado diuturnamente, parece ter condições de vencer.
Para se manter na porfia, em algum momento terá que romper com Dilma Rousseff. A estratégia da nostalgia com prazo de validade implica circunscrever a bonança a seus dois mandatos. Será preciso admitir que os governos que o sucederam foram, se não uma hecatombe, muito inferiores.
Lula deixou para o ápice da festa o que tinha de mais intrigante a dizer: o fim da política do "Lulinha paz e amor". Expirou assim, de supetão, o afã acomodatício que, em 2002, fizera com que mandasse uma mimosa cartinha aos poderes de fato, prometendo bons modos se viesse a ser eleito.
Não há cabimento em falar de traição; Lula apenas cumpriu carta de boas intenções. Mas agora, ele avisou, virá a política do "pão, pão; queijo, queijo". Foi a sua última frase substancial na festa do partido. Mil perguntas pairaram na noite carioca.
A política de conciliação estava errada? Mudaram os bacanas a quem enviou a missiva? Como e quando partirá para a ação? Irá se aliar com quem, e contra quem? Ou será que, no Armazém da Utopia, se deixou levar pela nostalgia daquilo que o PT um dia manifestou?
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