12 de março de 2016 | N° 18471
DAVID COIMBRA
AS DUAS JUSTIÇAS DO BRASIL
Nós jornalistas adoramos entrevistar cientista político. Faz parte da nossa ânsia de encontrar objetividade no que é essencialmente subjetivo.
Vã ilusão. Um cientista político é uma contradição em si mesmo, porque política não é ciência.
Não existe nenhum cálculo ou experimento capaz de comprovar uma teoria política de forma irrefutável. A política é uma atividade puramente humana. Depende de humores, coincidências, vontades e desejos vis.
Pascal dizia que a História do mundo seria outra se o nariz de Cleópatra fosse maior.
Marx dizia que a História se repete a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa. Boa frase. Mas nem sempre verdadeira. No caso do Brasil, por exemplo, a História não cessa de se repetir como farsa.
Não é por acaso que cientistas e filósofos tentam explicar o mundo a partir da matemática. Porque a matemática é exata e demonstrável. Seria um alívio se conseguíssemos transformar cada fato da vida em uma fórmula matemática. Estaríamos salvos. Nossos problemas teriam solução lógica, e os psicanalistas iriam à falência.
Só que não é assim que funciona.
A mais científica das áreas humanas, a medicina, é inquietantemente inexata, porque lida com organismos vivos, que volta e meia se tornam imprevisíveis.
O jornalismo, a sociologia, a política, a filosofia, há muito que estudar nessas áreas, mas elas não são científicas.
O Direito também não é.
O ideal seria um Direito técnico e impessoal. Tudo teria de funcionar com precisão de máquina:
1. O povo elege seus representantes.
2. Os representantes fazem as leis de acordo com a vontade de seus eleitores.
3. O governo cumpre a lei feita pelo Legislativo.
4. O Judiciário, uma vez solicitado, dirime pendências e pune, ou não, de acordo com a lei.
E essa lei, centro de toda a democracia, baliza para todas as ações, reguladora de todas as relações, essa lei seria de tal forma clara e criteriosa, que o juiz seria apenas um conhecedor da letra fria, quase que um técnico do Direito.
Mas a realidade estraga miseravelmente esse plano tão bom.
A prova é o Brasil de hoje, onde, mais do que febris paixões políticas, discute-se, quase que de forma clandestina, um tema mais importante: a Nova Justiça.
Existem duas Justiças, no Brasil do século 21. Vou defini-las, grosseiramente, como a Justiça de Marco Aurélio Mello e a Justiça de Sergio Moro.
A Justiça de Sergio Moro, a Nova Justiça a que me referi, é uma Justiça de estilo norte-americano: ágil, rápida, punitiva, focada na defesa da sociedade.
A Justiça de Marco Aurélio Mello, a Velha Justiça, é vagarosa, ponderada, tolerante e focada nos direitos do indivíduo.
O que torna Sergio Moro diferente de Marco Aurélio não é o conhecimento: é a idade. Sergio Moro não foi traumatizado pelo regime militar. Sergio Moro não se sente um repressor quando se guia friamente pela letra da lei e impõe uma condenação grave a quem cometeu grave crime.
Sergio Moro é o que há de mais próximo da tecnicidade da Justiça. Marco Aurélio, ao contrário, é um juiz político.
Isso não significa que Marco Aurélio seja um juiz partidário. Ele é político porque interpreta a lei de acordo com a circunstância e os protagonistas envolvidos.
No caso Lula, Moro foi quase impessoal. Deu algumas prerrogativas ao ex-presidente, como a proibição de filmá-lo. Mas, no geral, considerou-o um brasileiro como qualquer outro.
Marco Aurélio criticou. Fez considerações. Chegou a se espantar:
– Então, eu seria levado sob vara?
Um juiz americano responderia: – Por que não?
Alguns intelectuais brasileiros argumentaram que Lula não poderia ser conduzido a depor por sua “biografia”? Biografia? Estou vendo Sergio Moro se questionar:
– Onde está escrito isso de biografia na lei? Qual biografia pode? Qual não pode? Só vale biografia de político? Empresário vale também? Então é só o trabalhador, sem “biografia”, que pode ser alcançado pela lei?
Desse caldo efervescente do Brasil de hoje, o que menos me preocupa é o destino do governo. Preocupa-me mais o destino da Justiça.
Que Justiça quer o Brasil? A Justiça de Mello ou a Justiça de Moro? A Justiça que teme reprimir o indivíduo ou a Justiça que não teme proteger a sociedade? As respostas a essas perguntas dirão como será o novo Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário