domingo, 27 de março de 2016



25 de março de 2016 | N° 18482 
DAVID COIMBRA

O mal da liberdade

Outro dia, eu falava de liberdade. A liberdade é uma desgraça. Os homens acham que ser livre é ser feliz. Ao contrário: ao buscar a liberdade, o homem encontra a aflição.

O Eclesiástico recomenda o seguinte, acerca do que denomina “jugo suave” da sabedoria:

“Bota teu pé nos seus grilhões

E o teu pescoço na sua coleira.

Sujeita teu ombro e carrega-a,

E não te impacientes com suas correntes.

No fim, encontrarás nela teu descanso

E ela se transformará em teu contentamento.”

Esse Eclesiástico não é o Eclesiastes. O Eclesiastes era o rei Salomão, que viveu com fausto, inteligência e 600 concubinas 10 séculos antes de Cristo. O Eclesiástico respirou o ar da Palestina 800 anos depois de Salomão. Como Cristo, também se chamava Jesus. Jesus ben Sirac.

Gosto dessa passagem que citei acima: o homem encontrando remanso na submissão. E, se a submissão é à sabedoria, tanto melhor. Feliz do homem que pode escolher de quem será escravo.

Mas até essa forma de liberdade, a liberdade de fazer escolhas, faz mal. Você acha que poder tomar decisões é ser livre? Nada: ser livre é não ter opção. Você tem de ir por ali e pronto, está resolvido, não é preciso mais pensar no assunto.

Olhe para uma criança. Se você é pai e lhe dá opções, você lhe causa sofrimento e revolta. Bom pai é aquele que decide tudo pela criança. Você vai vestir isso aqui. Você vai comer o que está na mesa. Está na hora de dormir, vá para a cama.

A criança reclama, mas, no centro da sua alma, está se sentindo protegida.

E esta é a palavra, este é o ponto: proteção. A segurança é o contrário da liberdade.

É uma fórmula matemática: quanto mais segurança, menos liberdade; quanto mais liberdade, menos segurança.

Era do que havia falado, dias atrás.

Às vezes, porém, esses dois conceitos não se opõem: fundem-se. Vou tomar como exemplo estes dois grandes países da América que conheço bem: o Brasil e os Estados Unidos.

Nos Estados Unidos, a lei é mais dura do que no Brasil. Os juízes, em geral, são Moros. Havendo crime, procuram o culpado; identificando o culpado, procuram condená-lo exemplarmente. A população carcerária é cinco vezes maior do que a do Brasil. São 2,5 milhões de pessoas “behind bars”, como eles dizem. Um roubo trivial às vezes custa 10 anos de cadeia.

Se você desobedece ou simplesmente discute com um policial americano, ele o imobiliza, algema e arrasta para uma cela de cadeia. Já vi policiais censurando cidadãos aos gritos por coisas sem importância, como atravessar fora da faixa de segurança. Meu Deus, que constrangimento. Dá medo dessa polícia daqui.

No Brasil, levar uma descompostura dessas dimensões de um policial é algo impensável, mesmo quando o cidadão erra flagrantemente. E um roubo comum não dá cadeia. O sujeito vai para a delegacia e, em poucas horas, está nas ruas de novo, para de novo roubar. É o tal prende e solta. Se contasse para um americano que no Brasil alguns tipos são detidos mais de 60 vezes, ele não conseguiria entender. Mas não conto. Tenho vergonha.

No Brasil, portanto, parece haver mais liberdade do que nos Estados Unidos. Parece.

Na realidade, sinto-me mais livre nos Estados Unidos, porque aqui posso caminhar pelas ruas sem medo daquela turma que vem da outra calçada, vejo casas sem cerca, bancos sem vigilância, prédios sem porteiro. Aqui, não preciso tomar cuidado quando paro o carro debaixo do semáforo, nem tenho que dar dois reais para o flanelinha, porque não há flanelinha.

Essa questão é a seiva do nosso drama atual. Falarei mais disso amanhã.

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