sábado, 5 de março de 2016


RUTH DE AQUINO
04/03/2016 - 19h44 - Atualizado 04/03/2016 19h44

Ou lava ou racha

“É perigoso deixar feridos pelo caminho”, disse Delcídio. Lula e Dilma não seguiram o conselho


Agora, não há mais como escapar do julgamento da História, com letra maiúscula. A explosão de dois homens-bomba deixou o país perplexo e espalhou estilhaços no Congresso Nacional e no Palácio do Planalto. Os homens-bomba não são meros doleiros, ou diretores de estatal, ou empreiteiros, mas líderes de nossa República, investigados pela Lava Jato no exercício de seus mandatos. O ex-líder do governo Dilma Rousseff no Senado, Delcídio do Amaral, (ainda) do PT, e o (ainda) presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do PMDB, se tornaram reféns e protagonistas explícitos do grande esquema de corrupção e guerra suja de poder que apequenou a política brasileira e desacreditou seus maiores representantes.

Primeiro, como aperitivo, caiu em desgraça Eduardo Cunha, depois de um ano de manobras irritantes. Cunha foi, enfim, para felicidade geral da nação, transformado em réu pelo Supremo Tribunal Federal e por unanimidade: 10 votos a 0. É acusado de receber ao menos US$ 5 milhões desviados da Petrobras. Pouco mais de uma hora após ser proclamado réu, cinco partidos pediam seu afastamento da presidência da Câmara: PT, PSDB, PSOL, PPS e Rede. Cunha parecia o único capaz de reunificar o país – contra ele.

Ele perde o mandato se pelo menos 257 de seus 512 colegas quiserem, em votação aberta. Não há mais clima para Cunha se manter presidente da Câmara e driblar a cassação, a não ser que faça como Renan Calheiros, que renunciou para não perder o mandato – e voltou, como o afilhado favorito de José Sarney, à presidência do Senado. Sobre o correligionário Cunha, Renan já se pronunciou: “Me inclua fora dessa. Não me ponha nessa confusão”.

O maior homem-bomba explodiria logo depois, deixando a presidente Dilma Rousseff anestesiada, sem capacidade de reação imediata. A explosão veio em forma de palavras, trechos devastadores de um depoimento de 400 páginas que o senador petista Delcídio do Amaral teria dado ao procurador-geral da República, como parte do acordo para ser solto no dia 19 de fevereiro. Foram quase três meses de prisão, acusado de atrapalhar as investigações da Lava Jato e desmascarado em vídeo gravado num quarto de hotel pelo filho de Nestor Cerveró.

A revista IstoÉ antecipou sua edição para publicar com exclusividade o depoimento de Delcídio, ainda não formalizado pelo STF como delação. Collor e Nixon caíram por muito menos. Em vez de afirmar que as declarações publicadas são uma fraude e não passam de mentiras, Delcídio disse apenas “não reconhecer o teor, a origem e a autenticidade”, em nota assinada com seu advogado. Não confirmou o conteúdo, mas não o desmentiu.

O que veio à tona com o homem-bomba e ex-braço forte de Dilma e Lula no Congresso é um conjunto de crimes contra a democracia, que vão muito além da corrupção passiva ou compra de votos. Articulação para barrar a Lava Jato e sabotar a Justiça, nomear desembargadores simpáticos ao PT, influenciar o voto do Supremo Tribunal Federal, soltar presos como Marcelo Odebrecht. Complôs tendo Lula como mentor das mesadas para Cerveró calar a boca – mesadas que teriam saído do bolso do amigo pecuarista José Carlos Bumlai.

Se um terço desse depoimento ficar comprovado, o governo implodirá, por renúncia ou impeachment. Antes disso, cabeças rolarão – espero que essa expressão não passe de uma metáfora. Tem muita gente preocupada com a sobrevivência física e política. O filho de Cerveró deixou o país. O senador Delcídio tornou-se, para o PT, réu confesso, inimigo declarado do partido e do governo e forte candidato a ser cassado rapidamente.

Seja qual for o desfecho desse drama, Lula – que na sexta-feira começou a ser investigado oficialmente pela Lava Jato – e Dilma devem estar arrependidos ao menos de um detalhe: não ter escutado o conselho de Delcídio. “Presidente, é perigoso deixar os feridos pelo caminho.” O senador disse isso aos dois, Lula e Dilma, ao longo de anos, antes de ser preso e experimentar o veneno do PT. “Coisa de imbecil” e “burrada” – foi a reação de Lula ao vídeo que derrubou Delcídio. O PT ficou dividido entre a expulsão sumária e a suspensão do senador. Delcídio ficou desesperado com a traição e o isolamento.

O panorama, aliado a uma crise econômica quase sem precedentes, é sombrio, mas pode ser o início real de uma depuração nunca antes vista no país. Militantes apaixonados que sonham com “O Regresso” podem se tornar dissidentes, também passionais, caso a verdade seja assim tão suja. Agora, é lava ou racha.

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