terça-feira, 15 de março de 2016



15 de março de 2016 | N° 18473 
DAVID COIMBRA

A dor de uma desilusão


Há 60 anos, quase no encerramento do XX Congresso do Partido Comunista Soviético, quando estavam presentes apenas os delegados mais importantes, Nikita Kruschev apresentou o seu famoso Relatório Secreto sobre os desmandos do ditador Stalin, morto e mumificado quatro anos antes.

Kruschev tomou todo o cuidado para não parecer que estava atacando Stalin. Ressaltou sua importância para os operários, para o partido, mas...

O que vinha depois do “mas” era terrível.

Kruschev nem chegou a contar tudo durante o Congresso, o relatório era cheio de ressalvas e deveria ser confidencial, só que, a partir daquela abertura, o mito de Stalin foi sendo desmontado rapidamente. Logo, o mundo descobriu que o Homem de Aço havia sido responsável por mais assassinatos do que Hitler.

Apesar de todas as provas, não poucos comunistas se recusaram a acreditar no que viam e ouviam. Alguns morreram negando a verdade. Outros simplesmente não falavam no assunto. Como podia ser diferente? Eles tinham passado toda a vida lutando pelas ideias das quais Stalin era o símbolo maior. O comunismo e a União Soviética eram o sentido de suas existências, e, se você perde o sentido da sua existência, você perde tudo.

Os petistas brasileiros estão enfrentando drama semelhante. O PT existe há 36 anos. Uma geração e meia. Muita gente atravessou a vida embalando o sonho de um partido de heróis do povo. E agora os fatos mostram que o PT não é apenas igual aos outros: é, em alguns aspectos, pior.

Como aceitar isso? É uma dor tremenda.

Pense: desde que você adquiriu certa consciência do mundo exterior, você tem uma posição. Ao defendê-la, você já discutiu com amigos e até rompeu com alguns, já insultou inimigos e foi insultado por eles. Você festejou as vitórias dos seus aliados e chorou quando eles perderam. Você carregou bandeiras e desenvolveu um sentimento que é ainda mais poderoso do que o de um torcedor de time de futebol, por se tratar de um ideário, de uma concepção de mundo.

E, de repente, você se vê forçado a admitir que estava errado.

Um choque desses é capaz de quebrar ao meio uma personalidade.

É óbvio que muitos auferem vantagens do governo petista, não serei ingênuo. Milhões são beneficiados direta ou indiretamente por sua simpatia pelo partido, de lúmpens a empreiteiros, passando por professores universitários, estudantes, jornalistas e, claro, sociólogos. Mas esses também sofrem com a desilusão. Não são apenas as perdas materiais que os afligem.

Natural, portanto, o esperneio intelectual dos governistas. Quando milhões de brasileiros vão às ruas na maior manifestação da história do país, sem que haja um só tumulto, eles não saúdam a participação democrática e legítima da população, eles publicam na internet a foto de um casal que vai ao protesto com a babá de seus filhos empurrando o carrinho das crianças. A lógica é que o casal, por poder pagar uma babá, não pode reclamar desse governo tão bom para os pobres.

O argumento é grotesco, sei, mas também é digno de comoção. Corações partidos, às vezes, não se consertam jamais.

Nenhum comentário: