maurício stycer
27/03/2016 02h00
Humor tem lado
É jornalista, repórter e crítico do portal UOL, autor de 'História do Lance!' (Alameda Editora).
Escreve aos domingos. Programa de humor mais contundente exibido pela Globo desde "TV Pirata" e "Casseta & Planeta", "Tá no Ar" teve a oportunidade de estrear a sua terceira temporada justamente em um momento muito conturbado do país.
Centrado na crítica à própria televisão, o humorístico criado por Marcius Melhem, Marcelo Adnet e Mauricio Farias não recuou diante do risco de ferir suscetibilidades. Ao contrário, aumentou o volume de suas ironias em três frentes.
Presente desde a primeira temporada, o quadro "Balada Vip" se tornou central em 2016. Semanalmente, um apresentador inspirado em Amaury Jr. entrevista um mesmo endinheirado paulistano, à la Chiquinho Scarpa, mostrando os seus empreendimentos dedicados com exclusividade à elite.
Ainda neste terreno, a atração apresentou há algumas semanas o musical "Chico Buarque de Orlando", com os maiores sucessos da "música popular de direita". Na recriação de "Vai Passar", Adnet cantou: "Vai passar, lá pela fila do 'não declarar', tablet, câmera de foto e vídeo, casaco com tênis e minichocolate para presentear".
Na estreia, em "Musical do jeitinho brasileiro", ele já havia cantado sobre as pequenas corrupções do dia-a-dia, como não registrar empregados domésticos, furar fila e subornar policiais.
Em outro campo, o programa reforçou o ataque ao excesso de programação religiosa na televisão. De forma ampla, os humoristas não se cansam de fazer piadas com evangélicos, católicos, muçulmanos, judeus, praticantes do candomblé, etc.
Por fim, "Tá no Ar" ampliou o espaço dedicado a tripudiar do gosto por programas policiais sensacionalistas. De um lado, segue exibindo o quadro "Jardim Urgente", uma de suas criações mais geniais, no qual Welder Rodrigues interpreta o apresentador de um programa infantil com tiques de Marcelo Rezende e José Luiz Datena.
Além dele, agora o humorístico exibe também o esquete "Pitombo Game Show", comandado por um policial militar (Melhem) que defende, sempre, as soluções irregulares e ilegais.
Sem explicitar a sua posição política, mas com alvos claramente definidos, o programa apresentou este ano um quadro no qual dois homens reproduzem opiniões a favor da violência policial e contra os defensores de direitos humanos. É a publicidade do "Activista", um iogurte para "quem quer regular a ligação entre o intestino e a boca" com a ajuda de "lactofascistas vivos".
Deixando a sutileza de lado, ao subir o tom "Tá no Ar" também perdeu a graça em vários momentos. Um quadro dedicado a rir do jornalismo de fofocas acabou soando como acerto de contas dos criadores com colunistas que os desagradam.
Aliás, os concorrentes reclamam que, ao zombar da televisão, Melhem, Adnet e Farias poupam a própria Globo. Não acho que seja verdade, mas a ênfase na própria emissora, de fato, é menor.
Em todo caso, é preciso reconhecer que "Tá no Ar" fez boas piadas este ano com o jornalismo global e, também, com o humor (ou falta dele) no Multishow.
Exibir preconceitos, expor a intolerância e apontar a ignorância podem ser funções do humor. Colocar-se ao lado das vítimas, como faz o programa, é um gesto político, que ganha outra dimensão num momento de tanta polarização. Sou fã. E desejo vida longa ao "Tá no Ar" na grade da Globo
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