domingo, 27 de março de 2016



19 de março de 2016 | N° 18477 
PAULO GERMANO

É sempre a classe média

Essa conversa de que a classe média tenta derrubar o governo, de que há poucos negros e pobres nos protestos, de que a maioria dos manifestantes tem curso superior, de que o verdadeiro povo continua em casa, tudo isso nada mais é do que, atenção, agora direi algo importante, nada mais é do que... a verdade, ora bolas. Nua e crua. Não há como contestar nenhum desses pontos.

O que impressiona é a forma como intelectuais e jornalistas usaram essa informação ao longo da semana. Como se fosse inédito o fato de a classe média liderar manifestações populares e levantes contra o governo. Por favor! Se eles não sabem, lhes direi eu: faz 400 anos que isso acontece.

Pode-se discordar das razões para protestar, pode-se até considerar Dilma Rousseff uma excepcional estadista, tudo bem, questão de opinião, mas, ao diminuir a legitimidade dos atos com base na exígua presença de pobres, deprecia-se também algumas das maiores conquistas democráticas do país. Porque, vamos combinar: a esquerda universitária que lutou contra a ditadura era o quê? Proletariado, por acaso?

Eram militantes de classe média, e toda a guerrilha armada veio da classe média, e a Passeata dos Cem Mil estava entupida de classe média!

De tempos em tempos, ela troca de lado, revisa seus líderes, se joga nos braços de movimentos liberais, populistas, de esquerda ou de direita – depende de quem está no poder e, por consequência, na oposição. Ela pode nortear a vanguarda ou a retaguarda do processo político, pode agir para o bem ou para o mal, e foi assim na Inconfidência Mineira, na Conjuração Baiana, na Revolução Farroupilha, no Movimento Getulista, na Campanha da Legalidade, na Marcha da Família, nas Diretas Já, no Fora Collor e, se formos mais longe, dá para citar até a Revolução Francesa, a Inglesa e a Americana.

É claro que a classe operária se fez presente em alguns desses movimentos – e também se faria presente nas mobilizações contra Dilma, não fosse boa parte dos sindicatos e movimentos sociais um famigerado braço de atuação petista. Ainda assim, me chamou a atenção que no histórico dia 13, em Porto Alegre, tanto na manifestação pró-governo, na Redenção, quanto na passeata anti-Dilma, no Parcão, os moradores da periferia eram aqueles que vendiam bandeirolas e água mineral.

Não que os pobres sejam alienados, apenas têm prioridades mais urgentes e menos epopeicas do que sair de casa, a 20 quilômetros de distância, pegar dois ônibus e passar quatro horas pedindo a queda ou a permanência de um governo. Preferem, por exemplo, ganhar dinheiro. Como a babá do Rio de Janeiro, que estremeceu as redes sociais por empurrar o carrinho das crianças enquanto os patrões protestavam de verde-amarelo. Ao responder para o jornal Extra se teria comparecido à manifestação caso estivesse de folga, Angélica disse o óbvio:

– Eu iria se morasse lá embaixo (na Capital). Ir daqui (Nova Iguaçu, na região metropolitana) até lá é bem difícil.

Quer dizer: ainda que sintam mais do que ninguém as agruras de um mau governo, raramente são os pobres que lideram as grandes insurgências. A missão recai sobre aqueles que, se por um lado estão longe da plena fruição do luxo, por outro estão próximos dos centros urbanos e do acesso à informação e à cultura.

Ao desvalorizar uma justa indignação porque ela emana da classe média, intelectuais e jornalistas passaram a semana mostrando quem ainda luta para manter o governo em pé: a mesma classe média. É sempre ela.

Como assim, Paulo Paim?
Senador do PT pelo Rio Grande do Sul

Houve uma época em que governos costumavam demitir ministros investigados por corrupção. A nomeação de Lula para a Casa Civil não é uma incrível inversão de lógica?

É uma jogada de alto risco. No caos em que está o país – com recessão, desemprego, juro alto e renda caindo –, se a estratégia der errado, Lula afunda junto com Dilma. Agora, se a presidente e os partidos aliados entendem que ele pode ajudar, creio que neste momento toda ajuda é bem-vinda. Porque o governo vai muito mal. Isso não quer dizer que as investigações devam parar, pelo contrário: espero que continuem com a mesma intensidade, seja em torno do Lula, do Mercadante ou de qualquer outro acusado.

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