segunda-feira, 5 de janeiro de 2015


05 de janeiro de 2015 | N° 18033
MARCELO CARNEIRO DA CUNHA

“The Wire” e a grande literatura na televisão

Ano novo é tempo de revisar o passado, eu acho. O novo ainda é novo demais para nos dizer alguma coisa e, portanto, em vez de perder tempo com o que ainda não houve, melhor olhar para o que houve e deixou marcas. A maravilhosa série The Wire, por exemplo.

The Wire não teve grande audiência e não recebeu prêmios, o que não quer dizer coisa alguma. Todo mundo sabe que essa série é uma das melhores coisas jamais feitas na nova TV, e se você já curou a ressaca do final do ano, arrume um jeito de ver. Ela teve cinco temporadas e foi produzida pela HBO, grande HBO.

The Wire é a história de um grupo de policiais que tenta fazer alguma coisa contra o crime organizado na cidade de Baltimore, sabendo, desde o começo, que as chances estão entre mínimas e nenhuma. A série é pessimista, em um país que detesta pessimismo. Ela é realista, em um país que detesta realidades desprovidas de um bom Photoshop.

Ela é implacável nas suas leituras, atenta aos detalhes, recheada de humanidade, como todo grande romance deveria ser. O escritor de The Wire foi repórter policial em Baltimore e resolveu falar do que conhecia, ajudado por um detetive da cidade. Ele explicou a todo mundo, inclusive o prefeito, que a série não ia dar moleza ou querer mostrar o lado bom das coisas. A intenção era produzir arte, poesia, e não um folheto para a secretaria de turismo. Avisados, todos toparam, e a série se fez, indo ao ar entre 2002 e 2008.

Um dos maiores personagens é o antitraficante Omar Little, que tem entre seus fãs de caderninho o presidente Obama. Omar é gay, não leva desaforo para casa e vive de roubar traficantes para vender os seus produtos. A trajetória de Omar na série é um dos maiores momentos da TV de qualquer tempo, assim como a trajetória do suave e perdido drogadito Bubbles, ou dos meninos de escola na quarta temporada.

The Wire é um troço. Ver aqueles episódios e sua elegantíssima construção é entender que a televisão começou a virar tantas coisas que finalmente virou romance, daqueles com muitas páginas, muitos personagens relevantes, muitos significados espalhados por todo lado.


The Wire é um encontro entre Dostoiévsky e Tolstoi, sem os russos. Ganhamos todos e, para isso, basta ver. Portanto, veja.

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