quinta-feira, 14 de janeiro de 2010


CLÓVIS ROSSI

Verdade e poder, dois estranhos

SÃO PAULO - Roberto Saviano é um jornalista italiano que investigou as máfias de seu país e as conexões com o poder. Produziu um livro, "Gomorra", que lhe valeu uma espécie de condenação informal à morte pelos clãs mafiosos.

No começo de outubro, em ato público de protesto contra os ataques do primeiro-ministro Silvio Berlusconi à mídia, Saviano soltou esta frase: "Verdade e poder não coincidem nunca".

Exagero? Talvez, mas não muito, a julgar por duas notícias dos jornais de ontem, para não pesquisar exemplos anteriores. Primeira: o governo holandês, depois de tomar a decisão de apoiar a invasão do Iraque já em 2002 (a invasão só se deu em 2003), passou a selecionar nos textos dos serviços de inteligência apenas os trechos que se adequassem à linha política já decidida. Detalhe: estamos falando da civilizada Holanda.

Segunda notícia: o governo grego manipulou estatísticas para tentar esconder o seu formidável deficit público. No dia 2 de outubro, mandou informe à Comissão Europeia dizendo que o deficit em 2009 seria de 3,7%; apenas 19 dias depois, novo informe, em que o deficit saltou para 12,5%.

No Brasil, o Ipea faz questão de dizer que caiu a desigualdade, sem deixar claro que caiu apenas a desigualdade entre salários, que seu próprio presidente, Marcio Pochmann, considera muito menos importante do que a disparidade entre renda do capital e renda do trabalho. Cultiva uma lenda, embaçando a realidade.

São fatos indiscutíveis. Diante deles (e haveria toneladas de outros se espaço houvesse), você decide se vale a pena deixar que o governo (qualquer governo) controle os meios de comunicação, como pretende o Plano Nacional de Direitos Humanos, ou se é mais saudável que você mesmo os controle, mudando de canal ou de jornal na hora em que quiser.

crossi@uol.com.br

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