sábado, 30 de janeiro de 2010



30 de janeiro de 2010 | N° 16231
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES


Verão, verão – parte 1

A vida das estâncias se transforma durante o verão, que normalmente é seco. Com isso, o campo se resseca, e o pasto não fornece os nutrientes que o gado necessita. E dá no campo uma roseta que a gurizada que gosta de andar de pés descalços amaldiçoa muito.

O gado perde peso e, se a estância não tem pastagens artificiais e açudes, termina passando fome e sede. O rebanho é tosquiado no começo do verão para que as ovelhas não enfrentem com toda lã o calor.

A tosquia das ovelhas é chamada pelos gaúchos de “tosa” ou “esquila” e, durante a II Guerra e logo após, quando a lã alcançou altos preços no mercado internacional, as ovelhas sozinhas garantiam a economia estancieira. Hoje, porém, graças aos fios sintéticos, a lã ovina está completamente desvalorizada.

Mas sou do tempo da lã valorizada. Nenhuma estância tinha a sua própria “comparsa”, a equipe formada pelos gaúchos que vão tosar as ovelhas. E mais: sou do tempo, durante a II Guerra, em que as “comparsas” ainda tosavam “a martelo”, isto é, manualmente, com a tesoura de “esquila” acionada pela mão do esquilador.

Nas grandes estâncias tosar cinco mil, dez mil ovelhas e até mais “a martelo” era uma operação demorada e complexa. Os integrantes da comparsa eram contratados pelo capataz que, conforme os convites que recebia, passava o verão de um lado para outro com a sua equipe.

Rebanho emangueirado, o trabalho começava às seis da manhã, depois de um chimarrão e de um café meio galopeado. Havia os agarradores (que agarravam as ovelhas com a mão, uma por uma), os maneadores (que maneavam três pernas do animal), o esquilador (o “tesoura”), que chegava a tosar sessenta ou mais ovelhas entre as seis da manhã e as seis da tarde. Havia o embolsador, que ficava em pé, seminu dentro de uma grande armação onde estava pendurada uma enorme bolsa.

Ali atiravam, transformados numa bola redonda, um a um os velos de cada ovelha tosada, e o embolsador pisava neles todos para que se ajeitassem na imensa bolsa de lã onde viajariam para a cidade.

O calor dentro da bolsa pendurada na armação era sufocante, e o embolsador cercado de lã transpirava em bicas. Ah, havia o “bocha” que não era membro da comparsa, mas normalmente um guri gaudério, que não deixar faltar água para os tosadores.

Todos eram remunerados. A cada ovelha tosada, “o tesoura” recebia uma “lata”. A lata era a moeda que servia para tudo nos dias da esquila, enquanto durava a presença da “comparsa” na estância. Era um pedaço de lata circular, às vezes com a marca da estância gravada, que o capataz da comparsa recebia do estancieiro e pagava o “tesoura”.

A “lata” sempre tinha o mesmo e único valor. O “bocha” não tinha remuneração estipulada, mas sempre recebia aqui e ali uma lata.

O agarrador, o maneador, o embolsador recebiam menos que o “tesoura”, a estrela maior da comparsa. Conheci “tesouras” famosos, como os meus tios Julio Machado e João Fagundes... (continua)

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