sábado, 23 de janeiro de 2010



23 de janeiro de 2010 | N° 16224
CLÁUDIA LAITANO


A sabedoria dos gregos

Ulisses demorou 10 anos para chegar a Ítaca depois do fim da Guerra de Troia. Imagine a situação: o sujeito deixa a mulher e o filho pequeno em casa, passa 10 anos em uma guerra dilacerante e quando tudo parece pronto para seu retorno triunfante ao lar as coisas começam a dar errado – muito errado – e ele fica tropicando em obstáculos monstruosos (literalmente), um atrás do outro, por mais 10 anos.

Reencontrei a história de Ulisses na minha viagem de férias, o que me fez pensar que o medo de não conseguir voltar para casa, por qualquer motivo, sempre embarca conosco quando partimos para muito longe da nossa base.

Pode ser uma preocupação quase imperceptível diante da excitação com as novas paisagens e a folga da rotina, mas se você remexer na bagagem talvez encontre esse medo disfarçado de outras formas: o nervosismo na viagem de avião, a ansiedade na hora da alfândega, a mania de checar 10 vezes se o passaporte está na bolsa, se o cartão de crédito está funcionando, se o seguro de vida está valendo...

Ulisses demorou 10 anos para voltar para casa, e eu demorei mais de 30 para encontrar um livro que reunisse os principais mitos gregos narrados exatamente como eu gostaria de tê-los lido aos 12 – quando, depois de sucumbir a um transe místico lendo Os Doze Trabalhos de Hércules, de Monteiro Lobato, descobri que o pessoal no Olimpo fazia coisas que os personagens das novelas que eu assistia na época não faziam nunca (pelo menos não na frente das câmeras).

Não por acaso, A Sabedoria dos Mitos Gregos, de Luc Ferry, o livro que me acompanhou nas longas esperas em aeroportos e estações de trem nessas férias, é escrito em uma linguagem que crianças de 12 anos podem entender.

O filósofo francês, que já esteve em Porto Alegre dentro do ciclo de debates Fronteiras do Pensamento, narra as histórias de personagens como Ulisses, Hércules, Jasão, Édipo e os deuses olímpicos da maneira mais simples e viva possível, com o objetivo não apenas de atrair os jovens leitores, mas também de motivar os pais – nem sempre muito treinados na arte de contar histórias – a conduzir seus filhos para dentro desse mundo de fascínio inesgotável.

Ferry defende a tese de que a filosofia grega nada mais é do que uma espécie de desdobramento laico das questões que já aparecem na mitologia: de onde viemos, para onde vamos e como fazemos para viver nossa vidinha curta e imperfeita da melhor forma possível.

Por trás de cada façanha épica, de cada dilema, castigo ou traição, defende o filósofo, há uma intuição sobre a existência humana que a filosofia se encarregará de desvendar mais tarde – e também por esse motivo essas histórias nunca deixaram de fazer sentido para nós.

Além de monstros, deuses raivosos e feiticeiras envolventes, Ulisses teve que enfrentar tentações como a de tornar-se imortal ou de simplesmente esquecer tudo que amava antes da guerra – a mulher, o filho e a terra natal inclusive.

Nada disso desviou o herói da determinação de voltar para casa, mesmo que isso significasse envelhecer e morrer como um homem comum.

Ulisses, escreve o filósofo, nos ensina que a principal (e nada simples) tarefa de todos nós é encontrar nosso lugar no mundo: “A vida boa é a vida reconciliada com o que ela é, a vida em harmonia com o seu lugar natural na ordem cósmica, cabendo a cada um encontrar esse lugar e cumprir esse percurso, se quiser chegar um dia à sabedoria e à serenidade”.

Viajar é bom, mas voltar para casa é sempre um alívio.

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