sábado, 23 de janeiro de 2010



24 de janeiro de 2010 | N° 16225
MOACYR SCLIAR


Os casais e o ar-condicionado

Na Porto Alegre da minha infância era comum a gente passar pelas ruas tranquilas de um bairro e ver – a altas horas da noite – gente debruçada na janela das casas. Não era curiosidade pelo que podia estar acontecendo lá fora. Era o calor. Aquelas pessoas ansiavam por um pouco do ar fresco que não encontravam em seus pequenos e abafados dormitórios.

Isso acabou. Em primeiro lugar, e por causa dos problemas de segurança, ninguém se atreveria a ficar na janela da casa, mesmo gradeada, à noite (aliás, casas agora são raras).

Depois, o problema do calor foi minorado pelos ventiladores e sobretudo pelo ar-condicionado. Os aparelhos estão cada vez mais sofisticados e permitem às pessoas dormir com razoável conforto, mesmo numa tórrida noite de verão.

Mas, em se tratando de casais, surge um problema, desses que são comuns na vida conjugal. É que nem sempre marido e mulher concordam quanto ao uso do aparelho. Ele quer ligar, ela não quer. Ele diz que precisa de uma noite de sono reparador para trabalhar no dia seguinte, ela alega que está resfriada.

Ou então ele reclama do barulho do aparelho, mas ela diz que é exatamente esse barulho – superpondo-se à ensurdecedora música do vizinho – que lhe permite dormir. Ele diz que a conta da luz é um absurdo; ela diz que todo conforto tem o seu preço.

Pronto, está instalada a polêmica. O ar pode estar devidamente condicionado; mas estão as pessoas devidamente condicionadas a aceitar o ar-condicionado? E como se soluciona a divergência? Uma possibilidade, naturalmente, é dormir em quartos separados.

Mas, em primeiro lugar, é preciso existir quartos separados, o que, nos reduzidos apartamentos de classe média nem sempre é possível. Sempre existe a possibilidade do sofá da sala, mas, a menos que se queira acordar moído, esta não é exatamente uma boa solução. E depois, convenhamos, a cama de casal não é só um lugar para dormir.

Além daquilo que está na cabeça dos imorais, é também uma forma de convivência, mesmo que esta convivência ocorra durante o sono, ou exatamente por isso: pesadelos não são raros, e é sempre bom contar com uma presença confortadora ao nosso lado quando despertamos de súbito, arquejantes e suando frio.

De modo que a divergência sobre o ar-condicionado é um problema menor, e para o qual a solução será questão de tempo. A própria tecnologia se encarregará disso. No futuro, um computador acoplado ao aparelho apresentará ao casal um questionário com perguntas-padrão, tipo: que temperatura você considera ideal?

Que número de decibéis lhe tira o sono? Que velocidade deve ter o fluxo de ar para que lhe pareça confortável? Que limite você acha razoável para a conta de luz? Você acha que o amor está acima de todas as coisas?

O computador processará esses dados e regulará o funcionamento do aparelho de acordo com eles. Provavelmente dará certo. Pelo menos sempre será melhor do que ficar na janela até as três da manhã, esperando inutilmente pela brisa que não chega. Ou pelo grande amor de nossas vidas.

Nem sempre marido e mulher concordam quanto ao uso do ar- condicionado.

Pronto, está instalada a polêmica

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