terça-feira, 19 de janeiro de 2010



19 de janeiro de 2010 | N° 16220
LUÍS AUGUSTO FISCHER


A praia ou a arte

Jorge Furtado dirigu, faz uns anos, um interessante filme chamado Houve uma Vez Dois Verões. Filme de formação, como há romance de formação: adolescentes vencendo a distância que falta para chegar à vida adulta.

No filme, apareciam cenas do nosso litoral, que tanto aborrece a quem aprecia as virtudes das baías e morros catarinas, mas que é o que tem como acessível a imensa maioria das gentes gaúchas.

O litoral é, no filme, mais que um cenário casual, porque é numas férias à beira-mar que os jovens deparam com as virtudes e o preço do amadurecimento pessoal.

Calhou que nosso litoral fosse como é, o senhor sabe: sem baías ou morros ou rios desaguando na água salgada, uma coisa realmente simples de entender, sem mistérios e portanto sem o encanto das experiências que proporcionam (exigem) descoberta paulatina, que guardam segredos e revelações.

(A velha piada diz que Deus, ao traçar o litoral brasileiro, começou pelo norte e veio descendo, caprichando nas curvas sensuais, plantando misteriosas florestas a poucas dezenas de metros da água, espalhando pedregulhos fascinantes; mas quando chegou a Torres ele cansou e desceu o lápis em linha reta até quase o Rio da Prata.)

Nosso litoral é, mal comparando, como uma parceria transparente, sem nada a oferecer salvo aquilo que a vista alcança imediatamente – uma parceria com quem não conseguimos passar mais que um breve momento.

Chama a atenção que haja pouca literatura sobre praia, não é? Dizendo sem maior pesquisa, lembro do Hotel Atlântico, do João Gilberto Noll, e do Depois da Água, do Michel Laub, ambas novelas, a segunda também uma narrativa de formação. Tem poesia? Tem memória?

E mesmo na literatura europeia. Também sem pesquisa, lembro aquele magnífico romance de Virginia Woolf chamado Rumo ao Farol, que se passa preponderantemente numa casa de praia (quem lê a segunda parte com atenção lembra dos cheiros e barulhos das nossas casas de praia no inverno), e a radical experiência relatada em O Estrangeiro, de Albert Camus, autor que por sinal faleceu há cinquenta redondos anos.

Esses dias li um belo livro dedicado totalmente ao tema, de Alan Pauls, escritor argentino. Se chama La Vida Descalzo (editora Sudamericana) e me deu uma ponta de inveja autoral.

O que ele fez: uma narrativa que mescla memória pessoal, creio que do autor mesmo (isso não fica claro, mas não é importante), com anotações de leituras e ensaio interpretativo, tudo girando em torno do mar, da praia. Argentino, ele conta das férias no litoral de seu país, ou no Uruguai, e mesmo no Brasil, sonho tropical de deslumbramento.

Não se trata de obra-prima, mas de um livro que vale a leitura, nesta hora em que também levamos a vida descalços.

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