domingo, 10 de janeiro de 2010


CLÓVIS ROSSI

O mandato que a finança não tem

SÃO PAULO - Na crise argentina, há um aspecto institucional infinitamente mais grave do que o afastamento à força do presidente do Banco Central, Martín Redrado, depois anulado pela Justiça.

Trata-se de saber, pura e simplesmente, quem tem mandato para tomar decisões, se o presidente da República (no caso, a presidente), que para isso foi eleita livre e legitimamente pelo único soberano, o eleitorado, ou se um funcionário subalterno, que não recebeu qualquer tipo de delegação popular. Sua autoridade, portanto, emana exclusivamente da chefe.

Imagine que o problema de desobediência tivesse acontecido na área, digamos, de transportes.

Se o ministro desacatasse uma orientação da presidente, seria sumariamente demitido e ninguém moveria uma sobrancelha para se espantar.

Agora, quando se mexe no amplo território do que os argentinos chamam de "patria financiera", que hoje em dia nem pátria tem, aí é diferente. Não interessa, do ponto de vista político-institucional, se a ordem dada por Cristina Fernández de Kirchner era tecnicamente a melhor ou a pior. Interessa que ela é a parte legítima para adotá-la. Ponto.

Não acatá-la é insubordinação. Ponto. Insubordinação se pune. Ponto. Sob pena de instaurar-se a anarquia.

O problema é que o predomínio das finanças no mundo contemporâneo é tamanho que se criaram regras formais ou informais (no caso do Brasil, é informal, felizmente) que impedem que o mandatário possa exercer o seu mandato de forma plena.

É óbvio que, uma vez criada a regra, se legítima, deve-se cumpri-la, coisa que a presidente não fez. Mas o descumprimento é uma anomalia filha direta da anomalia maior que foi dar criar a uma situação em que quem não tem mandato se insubordina contra quem tem.

crossi@uol.com.br

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