sábado, 30 de janeiro de 2010



31 de janeiro de 2010 | N° 16232
VERISSIMO


Padre Alfredo

O padre Alfredo estava ficando velho. Todos na paróquia concordavam: era triste, mas o padre Alfredo precisava se aposentar. Durante anos ele servira a comunidade com dedicação e sabedoria. Mas seu tempo estava acabando.

Era bonito vê-lo batizando netos de gente que ele também batizara, mas era constrangedor vê-lo se confundindo e derramando a água benta na cabeça do avô em vez do neto. E comentava-se que suas aulas de catecismo também tinham se tornado confusas. Por alguma razão, ele insistia que o pai de Jesus não se chamava José, mas Clóvis.

O primeiro sinal de que o padre Alfredo deveria ser substituído foi na inauguração do microfone, na missa. Ele resistira o quanto pudera, mas finalmente fora convencido a aceitar a novidade. Todos os padres estavam usando microfones durante o serviço religioso.

Alguns traziam o microfone preso no peito, para ficarem com as mãos livres. Quando empunhou o microfone pela primeira vez, o padre Alfredo examinou-o em silêncio por alguns minutos e depois levou-o à boca e começou a cantar um bolero. O que mais espantou os fiéis foi o padre Alfredo saber toda a letra de Tu me Acostumbraste.

O padre Alfredo dormia durante as confissões. Só acordava quando o penitente, estranhando o silêncio do outro lado do gradil, falava mais alto.

– E então, padre?

– Ahn?

– Qual é a penitência?

– Penitência?

– Pelos meus pecados.

– Dezessete Ave-Marias e vinte e nove Padre-Nossos.

– Mas padre, não houve penetração.

– Não interessa.

– O senhor nem ouviu os pecados!

– Mais trinta salve-rainhas pela insolência. E corta os doces por um mês.

Mas o que levou membros da comunidade a pedir a interdição do padre Alfredo foi seu comportamento na cerimônia de casamento do Agenor e da Maria Estela. Igreja lotada. Autoridades presentes. Grande pompa. O organista tocando seleções de Lloyd-Webber.

Entre aias, padrinhos, madrinhas e parentes, mais de cinquenta pessoas no altar. E o padre Alfredo, que aderira ao microfone preso no peito, perfilado no seu lugar, com os olhos fechados. Tensão na igreja.

Num casamento recente, o padre Alfredo lançara-se numa longa dissertação sobre o significado da união entre o homem e a mulher, começando com Adão e Eva, passando por Clóvis e Maria e chegando aos nossos dias, com o sacramento tão desprestigiado, e tanta gente vivendo junta sem benefício de matrimônio.

E terminara pedindo à congregação uma salva de palmas para o casal à sua frente, que decidira se casar na igreja. Ele mesmo liderara o aplauso, como um chefe de torcida. O que o padre Alfredo iria aprontar agora?

O padre Alfredo custou a começar a cerimônia. O pai da noiva já se preparava para cutucá-lo, temendo que o padre estivesse dormindo em pé, quando ele abriu os olhos, sorriu para os noivos, e perguntou:

– Vocês têm certeza?

Noivo e noiva se entreolharam. O padre continuou:

– Vocês sabem o que estão fazendo?

O Agenor se sentiu na obrigação de responder.

– Sim, padre.

– Já pensaram no que vem por aí? Uma vida inteira, juntos? As brigas, às vezes por mesquinharia? O ciuminho? Os sogros se metendo? As diferenças: filme de pancadaria ou filme romântico? Luz acesa para um ler quando o outro quer dormir? Um não podendo viver sem ar refrigerado, apesar da rinite do outro?

Já pensaram?

E um murmúrio de perplexidade percorreu a plateia quando o padre Alfredo acrescentou:

– E ainda por cima tem os filhos. Outra incomodação.

O padre retirou-se do altar com um abano, aconselhando os noivos:

– Pensem melhor, pensem melhor...

Não havia dúvidas. O padre Alfredo precisava se aposentar.

Por alguma razão, ele insistia que o pai de Jesus se chamava Clóvis

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