sábado, 16 de janeiro de 2010



17 de janeiro de 2010 | N° 16218
PAULO SANT’ANA


A vida é uma droga

Só um idiota como eu pode querer saber de quem é a responsabilidade por esta catástrofe do Haiti.

Só um idiota como eu pode querer responsabilizar o destino, a Providência, Deus, o conjunto de regras imutáveis e mutáveis da vida pela tragédia do Haiti.

Não tenho nada de perquirir sobre as origens das catástrofes, sobre seus autores ou licenciadores.

Não há autoria. A vida é assim, cercada de desastres e crivada de dores lancinantes e de mortes porque assim é a vida.

A vida é assim, cheia de horrores, causados pela natureza ou pelos próprios homens, repleta de maldades e crueldades, porque é assim e pronto, não cabe aos homens investigar o porquê de a vida ser uma droga.

Pela minha cabeça idiota e absurda, passa que pelo menos dessa tragédia do Haiti os fados tinham de nos ter livrado.

Como se não fossem outro dia acontecer novas tragédias, como se, caso não ocorresse esse terremoto, o mundo seria melhor, os homens se compreenderiam e se abraçariam.

Nada disso. A cada semana que passa, vão continuar a se suceder as tragédias, grandes e pequenas, do terremoto ao desemprego, das inundações às dívidas pessoais.

Basta nascer o sol para que o mundo e a vida pessoal das pessoas estejam aptas às tragédias.

O grave no Haiti é que o terremoto veio apenas se somar à fome que já existia, ao desemprego colossal que já existia, à desabitação que já existia, aos assassinatos que já existiam, aos saques que existiam e agora aumentam em número.

Por sinal, quando se diz que há o perigo de sobrevirem os saques no Haiti, percorre minha mente uma dúvida: peraí, mas vão saquear o quê?

Se não há comida, se não há água, saquear o quê?

Só se caem como formigas em cima de qualquer comida ou água que surgir ali adiante como ajuda internacional.

Outra coisa: é tal o espectro de penúria a que está submetida a sociedade haitiana, que não entendi o que mandam dizer os correspondentes: os pobres habitam a parte plana da cidade, os ricos habitam os morros, ao contrário do Brasil.

Mas como é que em condições de extrema pobreza do povo possam existir ricos?

Sempre ouvi dizer que onde existe miséria existe luxo, mas não passa na minha cabeça que possa existir alguém rico no Haiti, se não existe sociedade organizada.

E, se há ricos, havia ricos, depois de uma tragédia dessas, os pobres certamente saquearam os ricos, deve ser por esse risco que foram enviadas tropas internacionais para o Haiti, muito antes do terremoto, para servirem de forças policiais que não permitam que quem tem menos avance sobre o semelhante que tem mais.

As tropas internacionais devem ter ido para o Haiti para manter a pobreza, sem choques.

O fato é que, há várias noites, sem morar no Haiti, longe do Haiti, milhares de quilômetros distante do Haiti, sou alvo de amargos pesadelos sobre o que está acontecendo no Haiti.

Nenhum comentário: