sábado, 30 de janeiro de 2010



30 de janeiro de 2010 | N° 16231
NILSON SOUZA


O objeto perfeito

O caderno Vestibular, encartado na edição da última quarta-feira deste jornal, apresentou uma desafiadora sugestão para estudantes do Ensino Médio: a leitura de um livro por mês. Educadores e especialistas selecionaram títulos por faixa etária, e o jornal apresentou um roteiro específico para jovens entre 15 e 18 anos, indicando um livro a cada 30 dias como receita, senão para uma formação literária excelente, pelo menos para uma vida prazerosa.

Li com atenção a reportagem, conferi os títulos que já fazem parte do meu currículo de leitor, mas fiquei pensando: que jovem da geração digital dispõe de tempo para devorar um livro por mês?

Os críticos mais rigorosos do admirável mundo novo em que vivemos certamente responderão que o problema não é tempo, mas vontade. Como diria aquele célebre dicionarista, discrepo. Vontade muitos têm. Mas os apelos da tecnologia são mais fortes.

Os celulares chamam, torpedeiam, vibram como pequenos terremotos da atenção. Os computadores brilham, emitem ruídos, falam e ouvem. Os tocadores de música ocupam os ouvidos e o cérebro. Os teclados chamam os dedos. Fica mesmo difícil exigir que a garotada se conforme em ocupar as mãos e os olhos com um objeto aparentemente inanimado como um livro.

E no entanto ele se move. O livro (de papel, bem entendido) é um daqueles objetos perfeitos – portátil, fácil de manusear, responde prontamente ao toque dos dedos que o folheiam, permite retrocesso nas páginas, dispensa o uso do mouse, não trava, o conteúdo não se apaga quando falta luz nem quando se toca numa tecla errada. Dependendo do operador, pode ser tão interativo como qualquer equipamento eletrônico, já que possibilita soltar a imaginação.

Acho mesmo tudo isso, mas reconheço que esta é uma visão antiga. Estudiosos do cérebro dividem os leitores em contemplativos, fragmentados e virtuais.

Os primeiros são da época ancestral em que o livro era a principal fonte de conhecimento, consumia todo o tempo do consulente. O leitor fragmentado pegou o tempo do jornal, da televisão, do ambiente urbano cheio de placas luminosas, sinais que se movem.

Passou a consumir a leitura com pressa, em movimento, sem tempo para reler e meditar. E chegamos ao leitor virtual, que interage com som, texto, imagem, vídeos, telas planas, tudo misturado, numa celeridade quase alucinógena. É quase antinatural querer que essas criaturas multimídias desacelerem cérebros e dedos para ler um livro por mês.

Mas quem já leu vários daqueles títulos sugeridos pelo velho método de folhear página por página tem motivos para pensar que a garotada está perdendo algo muito valioso.

Um lindo sábado e um gostoso fim de semana

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