terça-feira, 12 de janeiro de 2010



12 de janeiro de 2010 | N° 16213
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Os trilhos da nostalgia

Reeleição – essa tentação permanente em Brasília – se escreve com ou sem hífen? Reeditar – esse sonho de todo escritor – é uma palavra una ou separada?

Estas e outras dúvidas me voltaram ao ler o excelente texto de Itamar Melo e Letícia Duarte publicado no outro domingo em Zero Hora sobre a reforma da ortografia.

É uma revolução cheia de surpresas, a começar pelo fato de que o Brasil a adotou há um ano, enquanto Portugal, pai e mãe da língua, só cogita de perfilhá-la bem depois de 2010.

Em verdade, a troca de acentos, sinais e letrinhas só foi introduzida para valer em Pindorama. Em Portugal, brigam as ministras da Educação e da Cultura. Em Cabo Verde, o ministro Manuel Veiga informa que a mudança já está praticamente em vigor.

Em São Tomé e Príncipe, a reforma encontra-se em plena vigência, mas as autoridades entendem ajuizado esperar ainda o que vai decidir Lisboa. Em Guiné-Bissau, o projeto já passou pela Assembleia Popular.

Em Angola e Moçambique, o acordo não chega a ser longinquamente prioritário, tanto que seu parlamento e seu governo sequer o aprovaram. Em Timor Leste é diferente: a lei passou por todos os trâmites, mas desde então é uma simples promessa, dentre outras sólidas razões porque o país tem tanto professores brasileiros quanto portugueses.

Tudo isso soa esquisito – e na verdade é. Os ingleses escrevem a palavra centro com a letra erre antes do e. Assim: centre. Já os americanos tomam o caminho oposto. Assim: center. Não chega a ser nenhum pecado mortal. A língua de Shakespeare é praticamente a mesma no Canadá e na Austrália. Não vem a ser muito diverso o francês que se escreve em Paris e Montreal.

Só o português é múltiplo.

No português de Portugal se escreve eléctrico, cómodo, acção. Com o agravante de que no português de Portugal o tal eléctrico é um veículo de nostalgia que navega em trilhos: o bonde. E não só existe a palavra, como o objeto em pessoa. Ainda hoje trafegam eléctricos, amarelos e lentos, pelas ladeiras de Lisboa.

Mas, se a mim perguntassem se sou a favor da reforma ortográfica, diria que sim. Quando menos para ver passar um eléctrico e declarar, para a edificação e a cultura geral das gentes: trata-se de um bonde.

E as pessoas me olhariam pasmas de admiração.

Linda terça-feira para você. Aproveite

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