terça-feira, 12 de janeiro de 2010



12 de janeiro de 2010 | N° 16213
CLÁUDIO MORENO


O rei está nu

Para o prof. Voltaire, amigo do peito

Dionísio de Siracusa, tirano temido, não contente em fustigar seus súditos com decretos duríssimos e tributos insuportáveis, obrigava-os a ouvir os péssimas poemas que escrevia.

Os mais ilustres cidadãos do reino eram convidados a fazer parte de sua mesa, sabendo, resignados, que junto com a sobremesa viria o suplício de ouvi-lo declamar aquela versalhada desastrosa. Todos, por puro temor, tratavam de aplaudi-lo - todos, menos Filoxeno, filósofo, poeta e homem de espírito.

Certa feita, depois de ler uma passagem de que se orgulhava particularmente, Dionísio foi colhendo elogios à roda da mesa, até chegar a Filoxeno, que fez uma crítica impiedosa. Indignado, o tirano jogou-o no calabouço, onde ele teria ficado para sempre se os amigos não tivessem intervindo junto a Dionísio, sugerindo-lhe que talvez Filoxeno tivesse agido por despeito, já que também era poeta.

Dionísio concordou, mas fez questão de reunir, na semana seguinte, os mesmos convivas daquela noite, e novamente leu uma de suas composições. Todos aguardavam, ansiosos, a opinião de Filoxeno, mas ele levantou em silêncio e pediu aos guardas que o levassem de volta à prisão. Dionísio, que tinha humor, acabou achando graça e o poupou.

Hoje, o meio mais sutil de alguém se impor ao gosto do público é explorar sua insegurança, como naquela velha história de Andersen, em que dois espertalhões convenceram o rei a encomendar um traje digno de sua majestade, feito de um material levíssimo, vaporoso, que tinha a vantagem adicional de ficar invisível para todos os estúpidos – uma forma segura, portanto, de avaliar a inteligência de seus súditos.

Contratados a peso de ouro, os dois velhacos passavam o dia a cortar o ar com as tesouras, a manejar agulhas sem linha e a fingir que mediam o vazio.

O rei não via nada, mas, não querendo passar por tolo, mandava seus auxiliares visitarem diariamente o ateliê; eles, por sua vez, para não passar por ignorantes, voltavam inventando grandes elogios à beleza do traje e à maestria dos alfaiates.

No dia do desfile, o rei não teve remédio senão envergar aquela roupa de mentira. Ele se sentia nu, e nu ele era visto por todos os populares, mas quem ousaria falar, e assim confessar publicamente sua estupidez? Quem apontou o embuste foi um menino inocente que, para alívio geral, finalmente disse em voz alta o que todos estavam pensando: “O rei está nu!”.

Pois é essa voz da inocência o que mais andou faltando nas últimas bienais. Por pura intimidação, calamos nosso desgosto diante de obras sem qualquer talento criativo e de instalações que, na bela frase de Cony, ficam na simples intenção de dizer alguma coisa que nem precisava ser dita, de tão óbvia e superficial.

Quem mais sofre com toda a empulhação, lamenta Calligaris, é a pobre arte conceitual, que tem um trabalho danado para diferenciar-se dessa arte cretina.

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