quarta-feira, 27 de janeiro de 2010



27 de janeiro de 2010 | N° 16228
JOSÉ PEDRO GOULART


Sufoco

“As ideias perturbam a regularidade da vida.” Isso ficou escondido no diário da Susan Sontag por dezenas de anos (saiu agora no Brasil pela Companhia das Letras). Ela tinha 16, quando rabiscou a frase. Dezesseis. Em seguida ela se pergunta: “...E o que é ser jovem durante anos e de repente despertar para a angustia, a premência da vida?”. Dezesseis anos...

E eu me ponho a pensar. Não somente sobre a Susan Sontag, mas sobre as Susans Sontags que sempre pontificaram a minha imaginação. Onde elas estão? Onde elas andam? Qual a razão de muitas dessas mulheres brilhantes optarem, invariavelmente depois de casamentos intrincados, por relacionamentos homossexuais?

Sontag terminou a vida ao lado da fotógrafa Annie Leibowitz. Simone de Beauvoir tinha um casamento “fraterno” com Sartre. Durante a vida dividiu o leito com homens e mulheres com intensidade.

A Clarice Lispector, que amou o romancista Lúcio Cardoso, que era homossexual, decretou: “a vida conjugal sufoca”.

O sufoco é um clássico, para homens e mulheres, claro. Mas especulo se esse veneno não é mais venenoso para as mulheres Especulo se toda essa futilidade que vemos nas novelas da TV, nas capas das revistas femininas, se todo esse consumismo boboca, não é uma resposta – meio histérica, meio neurótica – das mulheres ao sufoco da vida conjugal. (Onde andam as Susans Sontags de agora?)

Em Cenas de um Casamento, do Bergman, a personagem da Liv Ullmann se surpreende ao se identificar com uma mulher mais velha, que diz que depois de anos de casamento “tudo parece insignificante, cinzento, indigno”.

O casamento foi tido sempre como um projeto feminino. Como se numa relação familiar estável todas inquietações “delas” se resolvessem. Mas mesmo que o folclore diga o contrário, mesmo que os homens jurem o reverso, talvez a vida conjugal tradicional seja muito mais uma necessidade masculina.

Semana passada um homem executou a tiros, à queima-roupa e à luz do dia, diante de testemunhas, de câmeras, a mulher que não o queria mais. A faísca da loucura resolvendo a tragédia que é para um homem abandonado existir.

“As ideias perturbam a regularidade da vida.” Em parte talvez isso explique o fato de algumas mulheres de ideias, como a Susan Sontag, optarem por um outro tipo de vida conjugal. É que homem sufoca.

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