quarta-feira, 30 de setembro de 2009


ANTONIO DELFIM NETTO

De mendicante a senhor

A AGRICULTURA (o chamado agronegócio) é um dos setores mais competitivos da economia brasileira. Foi graças ao seu superavit comercial que o Brasil livrou-se da armadilha externa em que se encontrava.

Ao longo dos últimos 15 anos a política agrícola tem sofrido altos e baixos, mas a tendência tem sido de melhoria continuada. Infelizmente, a segurança jurídica do setor tem sido frequentemente ameaçada.

Os problemas fundamentais da criação de um seguro de safra e de instrumentos que permitam a defesa dos preços nos mercados futuros (e, assim, dar estabilidade de "renda") têm sofrido alguns percalços.

Por outro lado, o problema da dívida, numa larga medida construído pelas "idas e vindas" do oportunismo governamental no uso político do setor, persiste e ainda não foi resolvido.

O progresso da agricultura é produto de gente trabalhadora extremamente sofrida, de uma classe empresarial que acreditou no governo e viu o "ajuste" (a partir do Plano Real) fazer-se sobre o seu patrimônio.

É produto também do suporte do maior instrumento de políticas públicas deste país, que é o Banco do Brasil, e dos investimentos acumulados desde o início dos anos 70 na Embrapa.

O agronegócio tem sido mais recentemente estressado:

1º) pela centralização das decisões da política ambiental;

2º) pelo estímulo que se dá às organizações não-governamentais (que recebem subsídios escondidos dos governos brasileiro e estrangeiros), que perturbam os mecanismos da própria reforma agrária; e

3º) pela construção de duvidosíssimos "índices de produtividade". Ninguém pode ser contra a política de preservar (e melhorar!) o meio ambiente, mas ninguém pode ignorar que é impossível uma política "centralizada" para um país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados e dominado por vários biomas.

Ninguém defende a extinção das ONGs, mas não se pode admitir que o "não-governamental" se sustente, direta ou indiretamente, de "governos" (nacional ou estrangeiros). Ninguém pode ser contra o estabelecimento de "índices mínimos de produtividade", mas não se pode ignorar a imprecisão do conceito e o risco de seu uso político.

A introdução do instituto da reeleição sem desincompatibilização, num país onde não existe controle social, está construindo um sistema onde todo o poder de eleger a Câmara e o Senado caminha para os grupos locais que controlam os prefeitos.

Um dia isso será entendido. Quando isso acontecer eles não irão a Brasília como mendicantes perante o Poder Executivo. Eles irão para promover reformas constitucionais para tomar-lhe o poder...

contatodelfimnetto@uol.com.br
O hino e os amigos

SÃO PAULO - Duas frases ditas anteontem definem à perfeição por que o debate público no Brasil é em geral indigente e por que o serviço público é em geral tão pobre.
Frase 1, do novo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ao aludir à sua fidelidade canina a Luiz Inácio Lula da Silva: "Parecia jogo de futebol em que as torcidas [os lulistas] ficam se digladiando, mas, quando toca o hino, todo mundo canta uma música só".

É o que acontece, com raras exceções, no debate público: os lulo-petistas e a oposição não se comportam, com raras exceções, como animais pensantes, mas como rebanho. Os hoje governistas, antes oposicionistas, põem a mão no peito e cantam o hino lulo-petista, sem discutir se a execução é boa, ruim ou péssima, se a letra é a mais adequada ou não. Aplaudem sempre, incondicionalmente.

Já a oposição vaia sempre, como se estivesse tocando o hino da Argentina. Inteligência que é bom vira vaga-lume nesse comportamento de manada: pisca aqui e ali, mas logo se apaga.

Frase 2, do presidente Lula, ao rebater críticas à nomeação de apaniguados de partidos, "como se algum partido que ganhou a eleição empregasse todos os inimigos e deixasse os amigos de fora".

O segredo da boa governança, versão Lula, é não deixar os amigos de fora. Se os amigos são competentes ou não, se são corruptos ou não, se usam os cargos para proveito político ou pessoal, é indiferente.

Importante é não deixar os amigos ao sereno. Como todos os partidos procedem da mesma maneira, o serviço público deixa de ser público para se transformar em uma ação entre amigos. Como consequência inexorável, a prioridade é atender os amigos, não o público.

Se houve, em algum momento, a noção de coisa pública desapareceu do Brasil. Há apenas o hino e os amigos que cantam.

crossi@uol.com.br


30 de setembro de 2009 | N° 16110
MARTHA MEDEIROS


TV: consuma com moderação

Estou longe de ser uma patrulheira contra a TV. Assim como há muita bobagem e baixaria, há também muito programa bem-feito, informativo e divertido. Nesse aspecto, não temos do que nos queixar, nossa televisão é bastante diversificada se comparada ao resto do mundo. Se adicionarmos aí o privilégio daqueles que possuem canais por assinatura, já dá pra dizer que só morre de tédio quem quer.

Lembro de um ex-colega que dizia que era fanático por TV e que, quando não estava trabalhando, estava em casa grudado na telinha, que era como ele absorvia o mundo e enriquecia sua vida. Nunca mais ouvi falar dele, e não é de se estranhar.

Tevê não é cultura. Entretém, informa, diverte, mas a cultura está um degrau acima. Se eu estiver forçando a barra em dizer que não é cultura, troco a frase: TV não impacta, não eleva a imaginação, não corrompe fórmulas prontas, não arrisca, não provoca, não incomoda, não arrebata. Quem faz isso é a arte.

Foi o que pensei ao assistir ao espetáculo Quartett, montagem do dramaturgo americano Bob Wilson com a estupenda atriz Isabelle Huppert, que encerrou a programação do Porto Alegre em Cena semana passada. Envolvida pelo que estava vendo, pensava: diacho, como a TV tomou conta das nossas vidas.

Um dia antes, eu havia assistido no cinema a Os Normais 2, que é praticamente um episódio de TV. O filme baseado no meu livro Divã também traz uma estética, um elenco e uma linguagem de TV. Ambos são bons e cumpriram o que se esperava deles, e hoje o que se espera é bilheteria e risadas. Nada contra. Mas isso não pode ser tudo o que se espera de uma obra.

José Alvarenga, que dirigiu os dois filmes, é um profissional competente e odeia quando se fazem essas distinções, e por um lado concordo: se é filmado em película e passa no cinema, é cinema. Mas a TV está no cangote.

Assim como ela está no cangote de muito do que se faz em teatro hoje, muito do que se faz em literatura, muito do que se faz em música. A TV é um totem. Sacralizou sua linguagem. E tornou-se tão eficiente quanto uma anestesia geral.

Não só gosto, como respeito a TV. Sem ela, muita gente estaria à deriva, achando que o mundo não vai além da porta da vizinha. Mas a TV não pode ser nossa única ponte com o subjetivo, até porque ela não entende nada de subjetividade. A TV é recreação caseira, não desperta o deslumbre diante daquilo que a gente não explica, apenas sente. Ela não pode, sozinha, fazer nossa cabeça. Na nossa cabeça há espaço para muito mais.

Quartett poderia ser descrita como uma ópera contemporânea que homenageia a musicalidade das palavras, a expressão corporal, a luz, a poesia.

É um sonhar acordado, um convite a visitar outra dimensão do amor, da sedução, das relações humanas, essas coisas que a gente vive de forma tão objetiva e, por isso, tanto tropeça. Tivéssemos um olhar mais louco, mais criativo, mais sensorial, mais qualquer coisa que não lembre o comezinho cotidiano, a vida teria mais graça, estilo e mistério.

Quartett foi uma chapação legalizada. A TV é boa, mas não te chapa: consuma com moderação.

Bem quarta-feira. Dia Internacional do sofá. Ainda que fria, que tenhamos todos um bom dia, especialmente para vc ccr a quem aprendi admirar e amar.


30 de setembro de 2009 | N° 16110
DAVID COIMBRA


Perdido na floresta de pernas

Pernas de mulher são emocionantes. A loirinha Sândi tinha coxas grossas e desenhadas com o capricho com que desenha um Gilmar Fraga. Eu não conseguia não olhar para as coxas dela. Uma vez, estava sentado num banco de pedra lá no fundo da Coorigha, esperando a turma para jogar bola, e a Sândi apareceu, gingando dentro de uma minissaia de quatro dedos de altura. Veio na minha direção, os olhos azuis faiscando.

À primeira chicotada de olhar, notei que havia um vergão na parte de trás da coxa direita dela. Por pudor, tentei disfarçar, fazer de conta que não tinha visto. Só que ela mal chegou e já se virou assim de ladinho e miou:

– Viu que estou com um vergãozinho na coxa?

Pronunciava coxa assim: coxxxah. Isso me deixava nervoso. Uma coxa dita desse jeito é muito mais suculenta.

Eu ali, sentado no banco, gaguejei: – Ver-ver...gão? Não tinha visto...

– Ó aqui ó – ela se virou mais um pouquinho, ficou toda empinada bem ali, a palmo e meio do meu nariz.

Olhei para o risco róseo na carne branca e lisa. – Nc – comentei.

– Foi o fio da pandorga do meu irmão que passou aqui. Doeu na hora. Agora não mais. Agora está bom. Mas ficou altinho. Quer ver como ficou altinho?

Ergui a cabeça. Encarei-a, aflito. O que ela queria dizer com “quer ver como ficou altinho?” Propunha que olhasse mais de perto? Ou que... oh, Cristo, que tocasse na cicatriz?

Segunda alternativa. Ela sussurrou: – Passa a mão...

Com um milhão de pandorgas, pipas e papagaios, ela queria que eu passasse a mão no vergãozinho dela!

Aí estiquei o dedo indicador da mão direita, esse mesmo dedo que tecla botões de celular, aperta campainhas e faz o número um, esse que já indicou a professoras que eu queria ir ao banheiro e que já parou táxis e ônibus na rua e que já deflorou bolos de chocolate.

Pois estiquei esse dedo e o fiz voar, trêmulo, até aquela marquinha rosada, e esfreguei-o ali, e quase chorei de felicidade. Era a primeira vez que eu tocava numa coxa de mulher.

A segunda vez não foi numa coxa alva de loira. Foi numa coxa bronzeada, da cor de canela, da morena Alice. Nós dois estávamos no Fusca verde do pai dela, estacionado bem em frente à Tenda do Seu Zequinha, e a Alice vestia um short branco que, por Deus, faz parte da história da minha vida. Abracei-a pela cintura e, lentamente, ardilosamente, fui descendo a mão. Descendo, descendo, rumo às... coxas!

Hoje ninguém mais colocaria ponto de exclamação depois de coxas, sei bem disso, hoje qualquer adolescente espinhudo tem vasta experiência em coxas, mas naquele tempo as coxas de uma mulher eram um território que poucos guris podiam se gabar de conhecer com intimidade, faziam parte da nossa mitologia, eram um prêmio quase inatingível. Dizíamos, entre nós:

– Quando vou alisar uma coxa de mulher pela primeira vez?

Por isso, quando finalmente empalmei as coxas de Alice e as acariciei com sofreguidão, pensei: não acredito que isso está acontecendo comigo, não acredito! Obrigado, Deus. Obrigado!

Foi bem isso o que pensei e, ao sair do Fusca verde do pai da Alice, sentia-me tonto de emoção. Fui para casa, deitei-me ao comprido no sofá e, ainda experimentando as vertigens do prazer, disse para mim mesmo que a vida é boa, é boa, é boa.

Coxas de mulher são emocionantes.

Agora calcule a minha situação: certa tarde, estava entre essas quatro coxas, as dourado-escuras de Alice e as dourado-claras de Sândi, mais as bem fornidas de Josie, as compridas de Ariadne, as macias de Débora, todas as gurias vestiam short naquele entardecer de verão, e o mundo parecia tão belo, tudo parecia exatamente em seu lugar, aí o céu azul-Grêmio começou a ficar azul-Cruzeiro e logo se tornou preto-Botafogo e o ar se transformou em um ar pesado e vibrante.

Era a tempestade de verão que se aproximava.

Olhamos para o céu, eu e as minas, e eu ali, no meio daquela floresta de coxas, só eu de homem entre tantas belas, e sabe o que pensei? Vou confessar exatamente o que pensei. E-xa-ta-men-te: que vontade de jogar bola na chuva! Foi isso que pensei.

Então, como se tivessem ouvido os meus pensamentos, os guris chegaram correndo de algum lugar. Vinham em matilha, o Barnabé, o Plisnou, o Cavalo, o Anão, o Tosão, o Diana, o Zoreia, o Barril, o Languiça, o Mochila, o Apara Peido, o Fio, o Zé Índio, o Beto Zúqui, e outros mais, e alguém levava debaixo do braço a bola vermelha do Zé Fernandes, e eles gritavam:

– David! Vamos jogar na chuva lá no Alim Pedro, David! Vamos! Vamos!

Olhei para as pernas todas das gurias à minha volta. Umas estavam com as pernas cruzadas; outras paradas, com o peso do corpo apoiado numa única perna; uma tinha as mãos à cintura; uma se espreguiçava, adoro ver uma mulher se espreguiçando; e todas aquelas pernas reluziam como um cântico à glória da obra da Mãe Natureza. Mas os guris corriam para o Alim Pedro, e imaginei o jogo na chuva e no barro, a gente escorregando e caindo e rindo e levantando lama e água, e disse:

– Tiau, gurias! Enquanto corria para o Alim Pedro, ainda ouvi a Alice me chamando:

– Davim...Elas falavam Davim. Era legal. Mas jogar na chuva também era. Pode não ser o melhor para jogo valendo três pontos, mas que é divertido, isso é.


30 de setembro de 2009 | N° 16110
DIANA CORSO


Água com açúcar e sangue

Cada fenômeno editorial fala de seu tempo. Se um livro vende mais de 55 milhões de exemplares, provoca furor entre adolescentes e outros mais crescidos, convém investigar-lhe os segredos, certamente revelam algo nosso.

A série de romances da americana Stephenie Meyer, iniciada com Crepúsculo, estendida ao longo dos quatro gordos volumes já publicados, reencontra um ávido público leitor da mesma faixa etária que aclamou Harry Potter uma década atrás. Enquanto Rowling resgatou o valor da magia, o sucesso desta série nos revela overdoses de romantismo.

Trata-se da história de Bella, uma menina comum, pais separados, desajeitada e sonhadora, que chega a uma cidade do interior dos EUA para morar com seu pai. Novata, ela tem seu coração disputado por vários meninos e finalmente o entrega a Edward, um vampiro de 17 eternos anos, lindo e com superpoderes, que a salva constantemente de perigos.

Além disso, ele considera que seu sangue é o cheiro mais irresistível que ele sentiu nos últimos séculos, mas se detém, num erotismo contido. Afinal, ele pertence a uma família que não bebe sangue humano. Mas há os vampiros tradicionais e eles também consideram o cheiro de Bella apetitoso.

São centenas de páginas de paixão e exaltação das qualidades de Edward, que é tão poderoso quanto amante dedicado. Misture isso com desentendimentos, desencontros, lutas entre vampiros bons e maus e acrescente lobisomens. No centro dessas contendas, está sempre a irresistível Bella, como se Troia não fosse mais do que uma disputa por Helena.

Mais do que um romance para meninas, o que temos aqui é o protagonismo feminino, cada vez mais comum na literatura infanto-juvenil, e a força de ideais de sensibilidade que outrora eram restritos às mulheres.

Muitos meninos também leem essas histórias e sentem-se representados pelos poderosos vampiros e lobisomens, príncipes sobrenaturais. Por mais que falem na leviandade das novas gerações, expostas a muita sexualidade explícita, observamos surpresos que o romantismo voltou.

Meyer aponta para algo novo: a liberdade das mulheres, sua crescente influência nas ideias dominantes, estende seu poder para o discurso amoroso das novas gerações.

Sonhadores, meninos e meninas valorizam a necessidade de dar tempo e espaço à sedução, aos jogos de esconde-esconde, à tortuosa e conflitiva iniciação sexual. Com a carnalidade de açougue da “ficação” dos jovens, convivem sonhos que bem conviriam a Romeu e Julieta. Nem tudo é tão simples como parece.


30 de setembro de 2009 | N° 16110
PAULO SANT’ANA


O voo das borboletas

O meu tema hoje se refere a um aspecto da vida humana que me tem intrigado a sobejo: a liderança.

Seja a liderança de qualquer grupo ou em qualquer situação, seja a liderança de uma nação, de um Estado, de uma empresa, enfim, de qualquer conglomerado humano grande ou pequeno.

O líder é sempre uma pessoa atormentada. Quase sempre pela responsabilidade.

Ocorre-me agora, exatamente agora enquanto escrevo, que toda professora é uma líder, ela é quem conduz os alunos e a sala de aula.

Por sinal, no fim desta coluna estarei abordando a face mais característica de um líder, que é a condução dos seus liderados.

Do líder emanam as instruções para seu grupo, emanam as luzes para seu grupo, emanam o otimismo e a confiança, tudo emana do líder.

É prosaico dizer, mas um grupo sem líder é como um corpo sem cabeça.

Um grupo sem líder é como uma mulher sem pés e mãos bonitos, empaca tudo ali, e nem uma mulher assim, sem encantos nos pés e nas mãos, mesmo que seja bela, pode ser considerada bela.

Vejam o caso dos animais. Todas as espécies, em todos os grupos, têm líderes.

Por trás de qualquer manada de elefante, embora não se perceba, nas longas caminhadas da manada em busca de água ou de qualquer outro alimento, existe um líder. E, nas manadas de elefantes e nos bandos de leões, não raramente, os líderes são femininos.

Não faz estranhar que as fêmeas de algumas espécies animais sejam as líderes, porque na espécie humana, em última análise, as mulheres também são as líderes. Basta que se diga que se criou o termo dona de casa, que indica claramente quem manda na célula principal do agrupamento, que é a família, o domicílio.

Líder, portanto, é quem vai na frente, quem está na frente, quem conduz os outros.

O líder é uma pessoa diferenciada, há até casos raros em que o líder não é quem comanda, não é quem vai na frente e sim quem está por trás.

O líder tanto distribui as coordenadas quanto as recebe dos liderados, o líder costura, inflama, constrói, anima, mentaliza o que os outros confeccionam.

Dá para sintetizar numa só imagem o papel do líder: a de uma fileira indiana de pessoas que caminham no meio de uma floresta selvagem.

Lá vai a fila indiana de pessoas em busca de um objetivo.

E, na frente da fila indiana, de umas 30 pessoas, vai o líder, é lógico.

Ao líder, que vai na frente da fila na floresta, cabe desbastar o caminho com o facão. Vai avançando a trilha a golpes de facão que vão derrubando os galhos, os nós, os cipós. É estafante o trabalho do líder na abertura da trilha. Os outros todos vão apenas atrás, na cauda, no rastro da tarefa do líder.

Além de ter de desbastar os vegetais da trilha, o único que corre risco entre toda a fila indiana é o líder: é ele, por ir na frente, quem tem a posição temerária de receber as mordidas das serpentes. Mas é claro: por vir na frente, o líder é quem primeiro invade os ninhos das serpentes e por isso pode receber a dura punição das picadas venenosas das cobras.

Parece, portanto, que vida dura é a do líder. No entanto, apesar dessa dureza, ao líder é que cabe o esfuziante privilégio, o deleite inimitável, o prazer incomensurável de, por seguir na frente dos outros na trilha, sendo o primeiro que sacode os galhos da floresta, por isso conseguir ver, o primeiro e único a assistir ao alçar do voo das borboletas.

Quem já assistiu ao espetáculo extraordinário do alçar de voo das borboletas coloridas na floresta?

Assistir primeiro e unicamente a esse espetáculo é privilégio, compensação e recompensa do líder durante a caminhada.

terça-feira, 29 de setembro de 2009


JOSÉ SIMÃO

Uau! Leve desodorante pro Zelaya!

E uma amiga minha disse que não daria asilo ao Zelaya, mas daria asilo ao Zé Mayer!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

CVM multa Pinto Rôla! Por atentado ao pudor? Rarará! É verdade.

O cara que foi multado se chama Alexandre Pinto Rôla! Multado por atentado ao pudor?! Por abuso! E a última do Egito: entrei num hotel no Egito, e sabe aqueles saquinhos de chá que eles deixam em cima do frigobar? Sabe qual a marca do chá?

DILMAH! Perseguição! Dilma em saquinho! Mas é Dilma com H: Dilmah. Aliás, tá aí um bom slogan pra ela: "Pra 2010, Dilma com H!".

E eu já disse que não é o Zelaya que tá refugiado na embaixada brasileira. É o Ratinho. Mas um leitor me disse que não é nem o Zelaya nem o Ratinho, é o Professor

Girafales. Rarará! O Zelaya parece o Professor Girafales. Do seriado "Chaves". "Chaves" do SBT. E não Chávez da Chavezuela!

E o chargista Frank diz que essa crise em Honduras teve o seu lado positivo: o Lula aprendeu a falar Tegucigalpa! E uma amiga minha disse que não daria asilo ao Zelaya, mas daria asilo ao Zé Mayer!

E diz que até o Fluminense vai pedir asilo na embaixada brasileira! E já imaginou aquela penca sem poder tomar banho? Campanha Leve um Desodorante pro Zelaya!

Rarará! Leve uma quentinha pro Zelaya! E o chargista Marco Aurélio revela o que o Lula gritou pro Zelaya: "Seguuuuuu-ra, peeãããão!".

Aprovado! Gago paga meia! Deputado do Mato Grosso do Sul apresenta projeto: gago paga metade da conta telefônica. E foi aprovado.

Gago paga meia! Gago devia pagar meia em motel! Já imaginou gago gozando?! Totototô quaquaquase gogogozando, pepepéraí. Duas horas no mínimo! Telefonema pra Bahia devia pagar meia também. Aí eu liguei pra Bahia: "A Elenice tá?". "Táááááá siiiiiiim, meu fiiiiiilho. Eleeeeeeenice, miiiiiiiiinha filha, telefooooone!

Peraí que ela já veeeem!". Aí já foram cinco minutos! É mole? É mole, mas sobe! Ou, como diz o outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.

Continuo com a minha heroica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.

É que em Tocantins tem uma pousada chamada Pousada do Lico Garrucha de Ouro! Parece Dias Gomes! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. O Orélio do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Honduras": o contrário de ondas moles! Honduras, Ondas Médias e Ondas Moles. Rarará!

O lulês é mais fácil que o ingrêis. Nóis sofre, mas nóis goza. E eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!


simao@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE

A ponte ruiu

BRASÍLIA - O Brasil perdeu totalmente as condições de exercer uma de suas especialidades na solução da crise em Honduras: a capacidade de liderança e de mediação.

Ao meter os pés, as mãos e a embaixada em Tegucigalpa na defesa apaixonada de um dos lados, o do presidente deposto, Manuel Zelaya, o governo Lula se colocou num duelo com o presidente golpista, Roberto Micheletti -que, ao mesmo tempo, recusa sistematicamente a participação da OEA (Organização dos Estados Americanos).

Chegou-se assim ao pior dos mundos: Micheletti radicaliza de um lado, Zelaya radicaliza de outro.

Um decreta estado de sítio, põe as tropas na rua, determina a invasão a uma TV e a uma rádio, insiste numa eleição ilegítima desde a origem. O outro usa a embaixada brasileira como "bunker" para instigar a desobediência civil no país. O que cheira a sangue.

Não há, à vista, nenhum escudo ou ponte entre esses dois malucos perigosos. O Brasil se inviabilizou. A OEA é rechaçada por Micheletti.

A ONU limitou-se à de defesa da "extraterritorialidade" e, portanto, da embaixada do Brasil. Os EUA, dúbios estavam, dúbios continuam. Chávez gosta de botar fogo, não de apagar incêndios.

Enfim, a situação é dramática, com o risco real, nada fictício, de que Micheletti continue se deslumbrando no papel de típico golpista bananeiro e acabe por invadir a embaixada brasileira. E que leve o país a uma guerra civil. Isso tudo é improvável, mas não impossível.

Marco Aurélio Garcia, assessor internacional de Lula, tem razão ao dizer que: 1) o Brasil não se meteu, mas sim foi metido nessa enrascada; 2) não havia alternativa se não acolher Zelaya na embaixada.

Mas o Brasil cometeu um grande erro: entrar na linha de frente contra Micheletti. Antes, hospedava um presidente deposto por um golpe militar. Agora, hospeda uma bomba pronta a explodir.

elianec@uol.com.br

CLÓVIS ROSSI

Pede para sair, Zelaya

SÃO PAULO - Se eu fosse do governo brasileiro, chamaria o capitão Nascimento, o personagem desse excelente ator que é Wagner Moura em "Tropa de Elite", para dizer "pede para sair, Zelaya". É a única solução para acabar com o esculacho na missão em Tegucigalpa.

Tudo bem condenar o golpe contra Manuel Zelaya em Honduras. Tudo bem também com a concessão pela embaixada brasileira de abrigo, hospedagem ou como se queira chamar, ao presidente vítima de um golpe mal disfarçado em ato constitucional.

Mas é demais deixar que o hóspede vire dono da casa, como está demonstrado nos textos desse brilhante repórter chamado Fabiano Maisonnave.

Pior ainda é deixar que Zelaya faça, de território brasileiro, convocações para a resistência, o que não viola apenas as normas que caracterizam o asilo (pode não ser tecnicamente asilo o status de Zelaya, mas equivale a ele e o seu comportamento, por extensão, também tem que ser equivalente).

Viola acima de tudo a obrigação de qualquer líder político decente de proteger os seus. É covarde e indecente convocar manifestações refugiado na embaixada brasileira, sabendo que quem ouvir o chamado corre risco até de vida. Um líder político decente tampouco se cerca de ladrões -de celulares e até de toalhas-, como os que se "hospedaram" na embaixada.

Aliás, gente decente não constrange os anfitriões levando uma penca de "convidados" para a casa que lhe abriu as portas.

Zelaya continua sendo o presidente legítimo de Honduras, até porque não consta que a Constituição hondurenha -ou qualquer outra- inclua decência entre as qualidades para ser presidente.

Mas fica a cada dia mais claro que não há no drama hondurenho, agora transformado em ópera-bufa, um só personagem que pessoas decentes gostariam de convidar para o aniversário dos filhos.

crossi@uol.com.br


29 de setembro de 2009 | N° 16109AlertaVoltar para a edição de hoje
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Um suave milagre

Escrevo na antevéspera de outubro. É um domingo luminoso e frio, os termômetros marcam 14 graus e sopra um vento glacial, provindo das profundezas austrais. O dia é tão lindo, que me pergunto de onde exatamente me chega esta sensação de branda felicidade.

Talvez venha do céu translúcido que submerge o horizonte em resplendor, incendeia de flores as árvores, inspira aos pássaros canções de adeus ao inverno. Talvez venha da claridade vestida de azul, transparente em sua essência, inexplicável em sua própria existência.

Não sei. O que percebo é que a tranquila brandura que me possui, e que em razão não se contém, é algo de raro e de bonito. E então me aparece uma visão que quem sabe tudo esclareça.

A mais bela das mulheres cruza no meu horizonte. Porto Alegre tem dessas coisas. De repente você está imerso em uma manhã de domingo, em paz com suas tormentas interiores, pensa em céus, claridades e abismos, e aí ocorre um suave milagre.

A mais bela das mulheres não está envolta em pompa e circunstância. Não traja os vestidos das melhores grifes da moda.

Bem ao contrário, porta no corpo escultural uma blusa escura, que combina com o jeans índigo blue. É a simplicidade em pessoa. No rosto não exibe um traço de pintura. É uma anônima deusa expondo ao sol da manhã toda a sua glória num sorriso, na exatidão das formas, nos passos que são de dança.

Nenhum artista ousaria pintá-la. Em nenhuma tela cabe a perdição de seus gestos, o balé calmo de sua silhueta, a escultura de seus seios. Em nenhuma sinfonia se aprisionarão os sons silentes de sua formosura.

Ela seduz pelo simples ato de existir.

Jamais tornarei a vê-la. Ela transitará por minha vida como um instante de zênite. E, se algum dia recordar dela, pensarei apenas que eu encontrei em meu caminho a primavera.

Depois de tantos dias de chuva, uma terça-feira de sol finalmente.

Que tenhamos um ótimo dia e para quem está de folga hoje uma ótima folga. Aproveite


29 de setembro de 2009 | N° 16109
LUÍS AUGUSTO FISCHER


Urbim e outros patronos

Este é um texto que talvez eu não devesse escrever, porque poderá ser lido ou como um excessivo autocentramento, ou como despeitosa desconsideração, ou ainda como uma futilidade. Mas vamos lá: o tema é a escolha do Patrono para a Feira do Livro de Porto Alegre.

Como sabem todos os que acompanham o noticiário cultural, foi eleito para este ano o grande, querido, gente boa e excelente escritor Carlos Urbim, que vai abrilhantar a festa como deve. (Segue daqui um abraço, Urbim.)

Quando a Feira completou seus primeiros 50 anos, publiquei uma história dela, 50 Anos de Feira do Livro – Vida Cultural em Porto Alegre, 1954-2004, pela L&PM, o que me habilitou a conhecer em detalhes muita coisa, incluindo o tema dos patronos. Para quem não sabe, começou a haver patrono em 1965 (o primeiro foi Alcides Maya, já então falecido), sendo a Feira de 1955.

E só 20 anos depois, em 1984, é que começaram a ser escolhidos para a honraria escritores vivos – o primeiro, por sinal, não foi um escritor, mas homem de livros, Maurício Rosenblatt. Foi apenas em 2004 que começou a atual sistemática de nomear patronáveis (eram 10 nas primeiras vezes, agora são cinco), tendo sido Donaldo Schüler o primeiro na modalidade.

Meu ponto é que, tendo também eu sido indicado entre os patronáveis neste ano (já estive nessa honrosa lista outras vezes), recebi os benefícios desse destaque, sendo cumprimentado por amigos e fornecedores, para alegria da família e celebração da vaidade. Mas também paguei o ônus de estar na lista: recebi o ódio nem sempre discreto dos inimigos e, pior que isso para mim, precisei ouvir muitos cumprimentos de consolo.

Assim que o Urbim apareceu nas manchetes com seu largo e cálido sorriso, alguns me saudavam com pena de mim, “Dessa vez não deu, mas da outra vai dar, professor”, “Que pena que não foi tu”, essas coisas. Me tratavam como um candidato à Assembleia Legislativa ou à Academia de Letras que houvesse visto naufragar sua candidatura.

A cada um deles eu começava a explicar: “Olha, não precisa ter pena não, eu estou feliz pelo Urbim, que é do ramo e merece; além do quê, eu não era propriamente candidato, não me propus ser patrono, fui convidado”.

E gostaria ainda de esclarecer que se trata de uma votação entre profissionais do ramo, vendedores e fazedores de livro, basicamente, não entre leitores e intelectuais – nada contra aqueles, é claro, e muito antes pelo contrário;

mas o caso é que quem acompanha essa história toda apenas de longe, o leitor comum de jornal ou o sujeito que vê a matéria nos telejornais, toma esse processo como o que ele não é, primeiro pressupondo candidaturas voluntárias, segundo imaginando uma eleição de mérito literário.

Termino o texto ainda sem saber bem se ele devia existir, mas com a sensação de que esse processo de escolha do patrono da Feira perdeu, para mim, o sentido de divulgação e homenagem que uma vez teve, para converter-se, junto à opinião pública, em algo que ele não é, não devia ser.


29 de setembro de 2009 | N° 16109
PAULO SANT’ANA


Por que gostam tanto de mim?

Digo-o sem nenhum pejo: às vezes, fico matutando sobre como as pessoas gostam tanto de mim.

O que fiz eu para que as pessoas gostem tanto de mim? Gostam de mim mais as pessoas aproximadas de mim, os que me veem todos os dias ou em média uma vez por semana, estes são apaixonados por mim.

Gosta tanto de mim o Moisés Mendes, que mergulhou na internet e gravou para mim dezenas de tangos clássicos, de domínio público, como Malena, interpretado magistralmente por Adriana Varela, Volver, Mano a Mano, La Cumparsita e Viejo Ciego, este cantado pelo imortal Roberto Goyeneche.

Deu-se à pachorra, o Moisés, de dar-me de presente esta coleção memorável de tangos, construída com sua paciência e bom gosto ao escolher as músicas e dar-mas de presente para que eu me delicie no toca-discos do meu carro.

É gostar de mim ou não é?

Vejam o caso de Loraine Chaves, a mulher de Kadão, o Ricardo Chaves, fotógrafo de ZH.

Pois a Loraine deu-se à pachorra de fazer um arroz de leite, com o arroz cozido não na água, mas no próprio leite, misturar não sei com que técnica a gemada no arroz de leite, e dar-me de presente a insuperável iguaria, dentro de uma grande vasilha.

Outras pessoas me dão arroz de leite de todos os tipos. Mandam-me doces de Pelotas, de Encruzilhada do Sul, aqui da Capital, doces e mais doces, empanturram-me de doces, principalmente de papo de anjo com calda. E eu, descuidadamente, relapsamente não devolvo suas vasilhas.

Por que gostam tanto de mim as pessoas, que algumas me telefonam e quando eu respondo alô elas imediatamente desligam, só estavam com saudade da minha voz?

Por que me amam tanto assim as pessoas, que se acercam de mim espertamente para só estar comigo e deliciarem-se com minha companhia?

Por que me amam tanto as pessoas, que quando ameaço que vou deixar esta sala em que escrevo, por aqui não me deixarem fumar, é uma correria entre o Clóvis Malta, o Olyr Zavaschi, o Nílson Souza e a Suzete Braun para que eu não os abandone. Não me deixam fumar, mas quando ameaço trocar de sala me fazem todas as outras vontades, comoventemente.

Por que me amam tanto as pessoas, que uma senhora se empenhou durante uma semana inteira em dar-me a imagem de uma santinha, a sagrada Virgem Maria, para que eu a depositasse no quarto do hospital, em busca da esperança da minha cura?

Por que me amam tanto a Rosane Marchetti e a Cristina Ranzolin, que vivem perguntando para mim e para os que me cercam quando, afinal, curado, eu voltarei para o lado delas no Jornal do Almoço?

Por que me amam? Que atração irresistível de afeto eu inspiro às pessoas?

Por que me amam tanto as pessoas, que as raríssimas que me odeiam ou me invejam não o fazem por me odiar ou me invejar, mas por me admirar, numa teia psicológica intrincada que afirma cada vez mais que inveja é sinônimo de admiração?

Por que me amam? Vale a pena viver quando se é por esta forma amado e admirado.

Pois eu quero dizer a todos os que me amam que aproveitem os últimos melhores momentos de minha vida e banqueteiem-se de mim, usufruam de mim todinho.

Ligeiro, que falta pouco!


29 de setembro de 2009 | N° 16109
MOACYR SCLIAR


Verdades & mentiras

Washington é a sede do mais poderoso governo do mundo. Mas é também uma cidade bonita, agradável, com um impressionante conjunto de museus de arte e de ciência, que ficam todos no mesmo lugar (o Mall) e são, em sua maioria, gratuitos.
Recentemente um novo, e sensacional, museu juntou-se ao grupo: é o News Museum, seguramente o melhor museu de jornalismo do mundo, onde passei mais de cinco horas (e não vi tudo).

Logo que cheguei, uma emoção: uma tela mostrava a primeira página de grandes jornais, naquele dia. E que jornal estava na tela, no momento? Isto mesmo, a Zero Hora. Senti um orgulho que vocês não podem imaginar. Só não fiz um comício ali para não dar escândalo.

Bons jornais não faltam nos Estados Unidos, e o Washington Post é um exemplo. Foi, lembrem, o jornal que denunciou o escândalo de Watergate, que levou à queda de Richard Nixon (isto é lembrado no museu).

Nos últimos dias, jornais e noticiários de tevê têm abordado dois assuntos: a reforma da assistência médica e, sobretudo, a notícia de que o Irã teria um segundo reator nuclear. O que vem se juntar à recente declaração de Ahmadinejad reiterando (com arrogante orgulho) a negação do Holocausto.

O presidente do Irã deveria visitar um outro famoso museu de Washington, o Museu do Holocausto, onde há uma impressionante documentação do genocídio judaico na II Guerra, e também das perseguições contra ciganos, minorias sexuais, deficientes e dissidentes políticos.

São centenas de fotos, de documentos, de filmes, de objetos que comprovam de forma sombria, dolorosa, crimes monstruosos. E a pergunta se impõe: se Ahmadinejad nega o Holocausto, o que o impede de negar planos de desenvolver um artefato nuclear?

Ele pode, claro, dizer o que lhe convém. O problema surge para aqueles que, à distância, apoiam-no, sobretudo por sua posição antiamericana. Ou seja, a esquerda.

Este termo, que no passado designava aqueles que lutavam por um mundo melhor, mais justo, um mundo sem divisões de classe, sem preconceitos, este termo tornou-se completamente impreciso, e hoje é usado até por políticos bizarros, quando não francamente perigosos. Não por outra razão, aquela posição de “o inimigo do meu inimigo é meu amigo” é muito duvidosa.

De repente, a esquerda começou a ter “amigos” que tornam a direita completamente desnecessária. Em termos de negação do Holocausto, o que diferencia Ahmadinejad de um neonazista?

A mentira é a mesma. A esquerda não deve, não pode mais preferir a “mentira progressista” à “verdade reacionária”. Foi isto que serviu de argumento para o estalinismo e para o Muro de Berlim (ao qual o News Museum dedica uma seção).

Museus nos ensinam preciosas lições, mas não precisamos deles para descobrir o caminho da verdade. Coerência, bom senso, honestidade intelectual resolvem este problema. E é bom que este problema seja resolvido antes que tragédias aconteçam.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009


MOACYR SCLIAR

O amor é uma dor de cabeça

Quando, de carro, ele se aproximava do prédio em que Carmen morava, a cabeça começava a doer

O estresse psicológico e o esforço físico de manter uma relação extraconjugal podem dar origem à "cefaleia dos amantes", segundo o neurologista italiano Lorenzo Pinessi.

"Esse tipo de cefaleia afeta sobretudo os homens, com uma intensidade proporcional à excitação", explicou o médico, que é presidente da Sociedade Italiana para o Estudo da Cefaleia. "Neles, o estresse psicológico devido à relação extraconjugal desencadeia fortes cefaleias, que podem durar até três horas", declarou o pesquisador italiano. Equilíbrio Online

PAULO JÁ tinha 15 anos de casado e se considerava feliz no matrimônio quando Carmen veio trabalhar na empresa. Era uma morena de olhos verdes, linda, sensual -tão logo a viu, Paulo sentiu que encontrara a grande paixão de sua vida. Dois dias depois, convidou-a para almoçar, e naquela mesma noite foi ao apartamento em que a moça morava sozinha; ali tiveram uma relação extraordinariamente fogosa, algo como Paulo nunca tinha experimentado antes.
Tornaram-se amantes.

E isso foi também o início de uma série de tormentos para Paulo. Homem honesto, decente, nunca tinha traído a mulher, nunca tinha mentido para ela; agora, se via obrigado a inventar histórias: "Desculpe, querida, mas essa noite teremos mais uma daquelas chatas reuniões de trabalho", coisas assim. Se a mulher acreditava ou não, ele não sabia, mas o remorso era grande.

Pior, contudo, era a dor de cabeça. Homem sadio, Paulo raramente tinha qualquer problema físico. Agora, contudo, passara a sofrer de cefaleia, uma dor de cabeça fortíssima, tão forte que se viu obrigado a procurar um médico. O doutor pediu exames, que nada revelaram de anormal e apontaram para uma conclusão óbvia: aquilo era uma coisa emocional, resultado de estresse. Um estresse, disse o médico, cuja causa Paulo deveria descobrir e removê-la.

Ele sabia qual a causa do estresse: era a ligação extraconjugal que estava mantendo. Quando, de carro, se aproximava do prédio em que Carmen morava, a cabeça começava a doer. Sentia-se mal -e sentia-se mal por causa daquela paixão escondida, clandestina.

Precisava fazer alguma coisa. E sabia o que tinha de fazer: tinha de parar com a mentira. De modo que confessou à mulher o que estava acontecendo e pediu o divórcio. Ela chorou muito, mas, mulher admirável, reconheceu que ele tinha o direito de rever sua vida. A filha única, já adolescente, concordou e disse que continuaria amando os pais.

Paulo foi morar com Carmen. A dor de cabeça cessou. Mas, coisa estranha, a paixão também diminuiu. Agora, o sexo era uma coisa rotineira, mecânica, insípida.

Pior, ele descobria que a única coisa que o atraía em Carmen era isso, o sexo. Numa tarde de sábado, no supermercado, encontrou a ex-mulher. Cumprimentaram-se afavelmente, ele convidou-a para um café.

Enquanto conversavam ele a olhava, nostálgico -e apaixonado. Sim, apaixonado. Seria ela o grande amor de sua vida? De repente, voltou-lhe a dor de cabeça.

Mas, dessa vez, ele a recebeu com júbilo, com emoção. Não era uma simples cefaleia. Era a paixão. Que ele estava redescobrindo.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha.


Faculdades criticam financiamento oferecido pelo BNDES

Para instituições, requisitos exigidos pelo MEC tornam linha de crédito burocrática e complicada

LARISSA GUIMARÃES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


Universidades e faculdades já reclamam da linha de financiamento montada pelo governo para socorrer financeiramente e apoiar investimentos das instituições de ensino superior. A linha de crédito que será oferecida pelo BNDES foi considera "excessivamente burocrática" e "complicada".

As farpas do setor de ensino se dirigem ao Ministério da Educação, que definiu as requisitos necessários para o pedido de financiamento. As regras foram publicadas na última quinta-feira no "Diário Oficial da União", e o MEC começa a analisar os pedidos nesta semana.

"O MEC complicou muito as coisas. Do jeito que está, não atende", disse o presidente da ABMES (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior), Gabriel Mário Rodrigues.

Pelas regras estabelecidas pelo ministério, as universidades e faculdades precisam ter 70% de seus cursos com nota 3 (numa escala de 1 a 5). O conceito da instituição tem de ser igual ou maior a 3, e 60% dos cursos devem ser reconhecidos pelo MEC.

As exigências também incluem a adesão da instituição de ensino a dois programas federais: o Prouni (bolsas em faculdades) e também aos Fies (financiamento estudantil).

No universo de cerca de 2.200 universidades e faculdades no país, cerca de 1.500 estão no Prouni e aproximadamente 1.300 no Fies. As universidades e faculdades interessadas no financiamento do BNDES também precisam entregar ao MEC um "plano de providências acadêmicas", para demonstrar como a qualidade se ensino poderá ser elevada.

"O ministério só deveria exigir que as instituições apresentassem nota 3 e participassem do Prouni", avaliou o presidente da ABMES.

Ele também reclama que a oferta da linha de financiamento demorou -o setor pressionava por uma linha específica de crédito desde fevereiro.

A secretária de Educação Superior do MEC, Maria Paula Dallari Bucci, afirma que os requisitos para pedir crédito pela linha do BNDES são uma questão de "coerência".

"Faz parte da cultura de qualidade que estamos querendo consolidar", rebateu. "Não faz sentido fomentar a expansão se patamares mínimos não forem atingidos", completou. Procurado pela reportagem, o BNDES afirmou por sua assessoria que não se pronunciaria.


28 de setembro de 2009 | N° 16108
RELACIONAMENTO


Todos os dias com meu filho

Em 2001, o jornalista e escritor Carlos Dias Lopes se viu frente a uma nova e incômoda situação, mas muito comum e semelhante à vivida por milhares de pais. O fim de seu casamento e a consequência mais delicada da separação: a privação da convivência diária com seu filho, Caio.

Em meio aos embates jurídicos do divórcio e à luta para manter viva a relação com a criança, Lopes criou uma associação, em Brasília, para discutir o tema e orientar outros pais, e, há um mês, lançou o livro Pais que Querem ser Pais.

A interrupção brusca na convivência com o filho funcionou como uma engrenagem para que o jornalista de 45 anos e mais cinco pais criassem a Associação pela Participação de Pais e Mães Separados na Vida dos Filhos, a ParticiPais, que hoje conta com mais de 300 voluntários.

Segundo ele, a relação pai e filho está mudando ao longo dos anos, e a noção de que o homem seja apenas o provedor, aquele que paga a pensão, é cada vez mais discutida.

– Queremos ficar mais tempo perto dos filhos. Hoje, os homens, quando se separam, estão muito mais interessados em continuar participando da vida da criança e já discutem isso na hora da separação. Isso denota um novo perfil do pai.

Uma das recentes conquistas em benefício da convivência entre pais e filhos é a lei da guarda compartilhada, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em junho de 2008. Desde então, há amparo legal para que os pais lutem na Justiça por maior participação na vida dos filhos e não mais se contentem com as visitas quinzenais. Lopes lembra que a lei foi recebida com euforia, mas sugere cautela:

– Nenhum juiz vai conceder a guarda compartilhada se o pai e a mãe já não chegarem lá com essa intenção. Então, acaba dependendo do acordo prévio.

Ex-desembargadora, Maria Berenice Dias, fundadora e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família, faz uma leitura mais otimista, ao considerar que, se em todos os casos houvesse acordo entre o casal, a lei não seria necessária:

– A lei vem de maneira clara, priorizando a guarda compartilhada independentemente de se há ou não consenso. Ela quer atender ao interesse da criança, não apenas ao dos pais.

Mais do que estender o período de visitação à criança, a guarda compartilhada prevê que ambos os pais participem efetivamente da rotina do filho, na escolha da escola, dos médicos, dos esportes, enfim.

– Está comprovado que é indispensável para a criança a convivência com ambos os pais, e a guarda compartilhada assegura isso – avalia.

Maria Berenice observa que a demanda de ações movidas por pais para rever a guarda dos filhos tem aumentado bastante, mais um sinal de que o perfil do pai está mudando, como considerou Lopes.

Hoje, o escritor desfruta de boa relação com sua ex-mulher e, apesar de ela ter a guarda unilateral de Caio, hoje com 10 anos, tem liberdade para negociar as visitas ao filho, sem se prender a um calendário predeterminado ou ao tempo estabelecido pela Justiça. Assim, conquistou o que muitos pais ainda buscam: mais tempo ao lado do filho.

Well, mesmo com chuva, que teimosamente insiste em chover, que tenhamos todos uma gostosa segunda-feira e uma excelente semana.


28 de setembro de 2009 | N° 16108
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


A morte

Não é tema apaixonante para segunda-feira. Mas é verdadeiro, e mais verdadeiro é para quem progride na idade: amigos, colegas, pessoas notórias e não só, conhecidos de bom-dia e de chapéu, vizinhos – a esses todos, a morte passou de “uma absoluta impossibilidade a uma trágica realidade”. Se verazes as palavras de Goethe, a morte é algo impossível de acontecer – exceto para os outros.

Seres dotados de razão, temos capacidade de prever. Via de regra, entretanto, são poucos os que conseguem admitir a certeza do futuro inevitável. Uma vez perguntaram a Sartre se pensava na morte. A resposta do filósofo foi: “Enquanto eu existir, a morte não existe; depois que eu morrer, não terei consciência disso”. É pensamento coerente com o existencialismo, mas não é consolo.

O que mais impressiona, contudo, não é o desconforto ante a morte, mas o despreparo geral para o acontecimento. Um homem pode fazer seguro de vida, pode fazer testamento, pode comprar um jazigo perpétuo para si, pode adquirir antecipadamente sua própria incineração, mas quem vai ser incinerado e enterrado é um outro, talvez seu clone, alguém com o mesmo nome, idade, sexo e profissão.

Penetrando em terrenos metafísicos: quem sabe será apenas a alma a morrer? Sim, porque nessas horas o que interessa é o corpo. Desde que preservemos o corpo, a alma que vá para o quinto dos infernos. Afinal, a alma eu não vejo, e o corpo está aqui e agora, palpável, sangue correndo nas veias.

No fundo, somos todos um pouco de Dorian Gray, de Fausto, de Michael Jackson, um pouco desses famosos escapistas. O caso de Michael Jackson, aliás, com sua interminável e festiva morte, é um exemplo do modo atual de encarar o caso. Se as fantasias de sobrevivência eterna assumem o estilo de sua época, nossa época é a do espetáculo. E quanto mais caro, melhor.

O que sobra para os que não têm milhões de dólares?

Para ficarmos apenas no domínio material, podemos imaginar esta vida como um almoço entre amigos. As comidas são apetitosas; os vinhos, generosos; a conversa é boa e inteligente, mas há um momento em que basta.

Estamos cansados: colocamos nosso guardanapo sobre a mesa, depomos nosso cálice. Foi um belo almoço. Chega o momento da despedida. Agradece-se por tudo. Tudo está bem, tudo está certo. Nada a lamentar.

O veículo que nos espera pode não ser a sóbria, negra e mítica barca, mas terá muito de semelhante. E para repetir Paulo, o Apóstolo: “Morte, onde está tua vitória?”.


28 de setembro de 2009 | N° 16108
PAULO SANT’ANA


O cego e a motosserra

Eu uma vez já escrevi aqui sobre o cego Justimiano. Mas não abordei um aspecto que me parece interessante na cegueira.

O cego Justimiano foi um personagem da minha infância, ele morava oito ou nove casas além da minha, na Chácara das Bananeiras, no Partenon.

O cego Justimiano vivia sempre de pijama, nunca botava outro tipo de roupa, sempre de pijama listrado, não precisava de outra roupa, porque nunca saía de casa.

Quem alcançava as coisas para ele era dona Malvina, sua mulher havia 40 anos.

Mas o que me intrigava no cotidiano dele é que era um alcoólatra.

Bebia o cego Justimiano, mas só podia beber depois das seis da tarde. Era essa uma norma rígida que traçara dona Malvina: Justimiano só podia beber depois das seis da tarde.

Lembro-me que depois do meio-dia, de meia em meia hora, Justimiano perguntava as horas para Malvina. Cada um deles tinha mais de 60 anos.

Justimiano não cabia em si de ansioso, torcia para que chegassem as seis da tarde.

Quando batiam seis da tarde, Justimiano, o único cego da vizinhança, entrava em euforia.

Dona Malvina enchia de cachaça um vidro de Biotônico Fontoura e dava para Justimiano, que ia tomando aos goles poupados a aguardente pura. Afinal, sua quota máxima era de dois vidros.

Era uma forma de o cego Justimiano aliviar-se das pesadas cruzes da sua cegueira.

Quando entrava no segundo e último vidro de cachaça, o cego Justimiano ia para o quintal, cambaleando em cima dos seus tamancos.

Ficava debaixo de uma bergamoteira e ali cantava todo tipo de música, embora gostasse mais de trovar.

Era assim a rotina cansativa da vida do cego Justimiano e de sua mulher, dona Malvina.

Os dias se arrastavam lentos, esparramando-se sobre a vida do casal e da sua amassante e perpétua desgraça.

Eu conto este fato para exaltar a natureza humana, capaz de suportar as mais pesadas cargas de infelicidade sem o desespero radical, como, por exemplo, recorrer ao suicídio.

Noto que é tão espantosa a capacidade humana de resistir à aflição quanto o é a de ser cruel.

Baseio-me no fato narrado aqui neste jornal na semana passada, quando o ex-deputado do Acre Hildebrando Pascoal foi condenado a 18 anos de prisão por ter torturado até a morte um mecânico apelidado de Baiano, que se recusava a denunciar quem matara o irmão do ex-parlamentar.

O ex-deputado, com seus capangas, amarrou o pobre homem e depois, com a ajuda de uma motosserra, decepou seu pênis, serrou um braço e uma perna do torturado, furou os seus dois olhos e cravou a marteladas um prego na testa da vítima, terminando o massacre inédito e brutal ao desferir quatro tiros sobre o coitado.

Uma maldade insuperável.

Estranha capacidade de sofrer das criaturas humanas.

E mais estranha ainda a capacidade de ser cruel, como demonstra a tortura comandada pelo ex-deputado.

Consegue caber incrivelmente no coração do homem todo o sofrimento imposto pelo destino.

E do cérebro do homem nasce todo e qualquer plano de maldade executada contra o próximo, por mais gigantesca que seja.


28 de setembro de 2009 | N° 1610
L. F. VERISSIMO


Perigo de gol

Acho que está na hora de se desagravar a expressão “em cima do muro”. Ficar em cima do muro significa não ter opinião, não querer se comprometer, tentar agradar a todo o mundo – enfim, ser uma plasta assumida. Mas o topo do muro também pode ser o lugar ideal para se estar, numa controvérsia.

Em cima do muro você e seus argumentos estão sobre uma base sólida (o muro), você pode examinar os dois lados da questão de uma posição privilegiada e ver mais longe do que qualquer um – e ainda ficar a salvo em caso de briga. Ou seja: também existe “em cima do muro” no bom sentido.

Por exemplo: Cuba. Há anos a esquerda brasileira é obrigada a preservar sua admiração pela pequena ilha que se transformou de bordel dos Estados Unidos numa imperfeita mas válida experiência de equalização social, com ênfase em educação e saúde públicas (e de independência, nas barbas dos seus antigos donos), de fatos inegáveis da ilha como a repressão à dissidência, a falta de pluralismo político e o culto à personalidade de um infindável Fidel.

E fica fazendo repetidas variações em torno da velha máxima de que fins nobres justificam meios sujos. De cima do muro, pode-se admirar o admirável e lamentar o lamentável sem ter que recorrer a máximas. Em cima do muro não há julgamentos absolutos.

A direita brasileira está num dilema parecido com relação a Honduras. Não pode, sem o risco de ser chamada de hipócrita, dizer que o golpe não foi golpe, foi apenas um soluço nas formalidades democráticas. Mas o desrespeito às formalidades democráticas condena qualquer regime, para a direita. Pelo menos da sua boca para fora. Teria sido uma ação preventiva em defesa da democracia ameaçada?

Quando um juiz de futebol apita uma falta que ninguém viu dentro da área, diz-se que apitou “perigo de gol”, para evitar problemas. Em Honduras inauguraram uma nova expressão para o léxico político das Américas: perigo de venezuelização.

Zelaya estaria se preparando para ser o Chávez de Honduras e as instituições se autogolpearam para impedi-lo. Uma espécie de suicídio profilático. Contra uma assombração também vale qualquer meio.

E, depois das políticas de segurança nacional dos tempos da Guerra Fria, o conservadorismo latino-americano encontra um novo pretexto para se mobilizar.

Subamos todos no muro. Em cima do muro não é preciso muita ginástica intelectual para explicar tantas contradições – mesmo porque não há muito espaço. E, olha: até o clima é melhor.

domingo, 27 de setembro de 2009


DANUZA LEÃO

Com que sonha Eike Batista?

Sonha em ser o homem mais rico do mundo, e certamente o será. Agora, a pergunta que não quer calar: e depois?

É CURIOSO observar a vida das pessoas, e quando elas se tornam públicas, temos o direito de falar alguma coisa sobre elas -sem entrar em intimidades demais, claro.
A primeira vez que ouvi falar de Eike Batista foi há muitos anos; faltavam oito ou dez dias para ele se casar com uma bela moça das mais tradicionais famílias cariocas -convites expedidos, presentes recebidos-, quando ele conheceu Luma de Oliveira.

A paixão foi fulminante, o casamento desfeito, os presentes devolvidos. Convenhamos: é preciso muita coragem e muita determinação para desmanchar um casamento dias antes de ele acontecer. Algum tempo depois ele se casou com Luma, tiveram dois filhos e viveram uma vida tranquila: não iam a festas, jantares, eram um casal dos mais pacatos.

Pacatos, até que se começasse a ouvir o som dos tamborins.

Quando se conheceram, Luma já tinha sido rainha da bateria de mais de uma escola, e depois do casamento estabelecido, os filhos nascidos, ela continuou a fazer o que mais gostava: ser madrinha da bateria, e nunca houve nenhuma igual a ela.

Quando Luma despontava, a avenida se levantava, e isso não é maneira de dizer. Ninguém conseguia ficar sentado vendo aquela moça linda, com o sorriso mais lindo, sambando melhor do que qualquer sambista de morro. Um verdadeiro espetáculo.

Enquanto Luma desfilava, nunca se soube do seu marido, Eike; se ele estava em casa vendo pela televisão, se estava viajando, se estava dormindo.

A verdade é que nunca houve comportamento mais discreto do que o seu, e sua (pelo menos aparente) falta de ciúmes, de deixar a mulher desfilar praticamente nua na avenida foi, durante um tempo, o assunto da cidade. O tempo passou, o casal se separou, e começou a surgir o personagem Eike Batista.

Não vou falar de suas empresas de mineração, da TVX, que acumula 300 toneladas de ouro (os negócios de Eike têm sempre a letra X, sinal de multiplicação), dos negócios que só os homens de negócios compreendem, mas da diversificação dos novos empreendimentos do empresário.

Eike decidiu abrir na Lagoa o restaurante Mr. Lam, e trouxe o cozinheiro do melhor restaurante chinês de Nova York. Foi um acontecimento, e o Rio de Janeiro durante um tempo só falou nisso.

Não contente, ele decidiu entrar no território do turismo e mandou adaptar um grande barco para fazer passeios na baía de Guanabara. Pensa que terminou? Não; Eike comprou o Hotel Glória, um ícone da cidade, tanto quanto o Copacabana Palace, com a vantagem de se situar a cinco minutos do aeroporto Santos Dumont. O hotel está fechado, e é um mistério o que vai acontecer com ele.

Recentemente, Renata Almeida Magalhães, mulher de Cacá Diegues, escreveu um artigo em "O Globo" ressentida com o pouco apoio que recebeu da Finep para terminar o filme do qual é produtora; faltavam R$ 500 mil, que ela não conseguiu obter. Tocado pelo artigo,

Eike ligou para ela -não sei nem se se conheciam- e mandou um cheque de R$ 1 milhão.

Rodrigo Santoro também teve uma bela ajuda do empresário para fazer seu filme, sem esquecer que Eike tomou a si a responsabilidade de limpar a lagoa Rodrigo de Freitas e assegurou que em dois anos poderemos todos estar nadando nas suas águas, que estarão cristalinas; ah, e agora quer comprar os 30% do Bradesco na Vale.

Eike Batista sonha em ser o homem mais rico do mundo, e certamente o será. Agora, a pergunta que não quer calar: e depois, Eike Batista?

danuza.leao@uol.com.br

FERREIRA GULLAR

O pré-sal e a pressa eleitoral

Em vez de impor ao país decisões precipitadas, não seria mais sensato aprofundar discussões sobre o pré-sal?


EU, COMO os demais brasileiros, alegrei-me com a descoberta dos campos de petróleo e gás no pré-sal, que poderão triplicar as atuais reservas do país. Maravilha!
O azar, porém, é que isso veio ocorrer logo no governoLula, que, imediatamente, tratou de tirar vantagem política da descoberta.

De saída, atribuiu-a a si, uma vez que, conforme dá a entender, foi ele quem criou a Petrobras e descobriu o Brasil. Dizem que quem o descobriu foi Pedro Álvares Cabral, mas isso é mais uma invencionice dos brancos de olhos azuis.

Por ter criado a Petrobras e descoberto os campos do pré-sal, Lula quer usá-los como trunfos na campanha pela eleição de Dilma e, sem perder tempo, logo tomou providências, ou seja, enviou ao Congresso projetos de lei para fazer crer que a exploração do pré-sal começa amanhã.

Embora esses projetos tenham sido discutidos durante mais de um ano no âmbito do Executivo, impôs ao Congresso apreciá-los em urgência urgentíssima, o que implica terem a Câmara e o Senado apenas 45 dias, cada um, para discuti-los e votá-los.

Mas por que essa pressa toda se se trata de um assunto de enorme complexidade e se o início da exploração daquelas reservas não se dará, segundo os entendidos, antes de 20 anos? A resposta é simples: as eleições para a Presidência da República serão em 2010 e Lula quer se valer de mais essa carta para tentar ganhar o jogo.

Ele já se apropriou da descoberta das jazidas do pré-sal, conseguida graças à larga experiência da Petrobras -que existe há mais de meio século- e à colaboração das empresas privadas a ela associadas. Sem perda de tempo, também já repartiu a riqueza futura com todos os Estados da União, em mais uma cartada eleitoral.

Isso está num dos projetos enviados ao Congresso, suscitando uma guerra entre os Estados onde se localizam as jazidas e os demais. Feito isso, tirou o corpo fora e os deixou brigando. Como sempre, ele não tem nada a ver com o problema.

O governador de Pernambuco, que nunca pensou em dividir os lucros da indústria da cana com o meu pobre Maranhão ou com o Piauí, já pôs as presas à mostra: "Quem disse que o povo do Rio de Janeiro é melhor que o pernambucano?!". E tudo por causa de uma grana que só vai existir de fato daqui a duas décadas; se existir, pelo menos na proporção que se alardeia.

Se digo isso é porque tenho ouvido e lido ponderações acerca do pré-sal que deveriam ser levadas em conta por Lula e sua turma. Uma delas suscita a seguinte questão: terá o petróleo a mesma importância daqui a 20 anos?

Em vez de meter os pés pelas mãos atabalhoadamente para impor ao país decisões precipitadas, não seria mais sensato aprofundar as discussões dos problemas implicados na exploração do pré-sal?

Nem pensar! A isso o nosso midiático presidente responderá que se trata de uma manobra de seus adversários para derrotá-lo em 2010. Sucede que nem todo mundo que discorda de seu açodamento pertence à oposição.

Há, no país, técnicos competentes, estudiosos das questões nacionais, que deveriam ser ouvidos pelo governo.
Uma das ponderações que fazem aqueles especialistas decorre do atualíssimo problema do aquecimento global e do uso de energias alternativas não poluentes.

Não foi o presidente Lula mesmo quem, faz pouco, andava pelo mundo alardeando as virtudes do nosso etanol? Não era ele quem o indicava como o substituto do petróleo, altamente poluente? Quer dizer que, da noite para o dia, o Brasil deixou de ser a pátria do etanol para se tornar a pátria do CO2?

Lula afirmou que a descoberta do pré-sal é um cheque em branco e um novo grito de independência para o Brasil, sem levar em conta que, no mundo inteiro, avança a criação de novas fontes de energia limpa, como a solar e a eólica, sem falar em motores elétricos, já utilizados em automóveis. Em Nova York, trafegam carros movidos, alternadamente, a gasolina e eletricidade, possibilitando grande redução do combustível poluente.

Outra notícia significativa é a utilização de usinas movidas a luz solar, como a que se constrói no deserto de Gobi, na China, com capacidade para atender a 3 milhões de pessoas. A energia eólica é utilizada em larga escala por países europeus. O Brasil tem todas as condições para valer-se desses recursos naturais, limpos.

Daí a pergunta: não seria mais sensato investir também nesses outros tipos de energia do futuro em vez de jogar tudo no petróleo, cujo futuro é duvidoso?

Claro. Mas para fazê-lo precisamos ter à frente do governo um estadista, alguém que pense mais no país do que em si mesmo.

sábado, 26 de setembro de 2009



27 de setembro de 2009 | N° 16107
MARTHA MEDEIROS


O deus das pequenas coisas

"Me sinto uma fracassada”.

Não é uma frase fácil de se ouvir de alguém. Soa até mesmo incompreensível quando se trata de uma mulher linda, rica, que mora numa casa deslumbrante, passa uma parte do ano no Brasil e a outra em Nova York, é casada com um homem igualmente lindo e apaixonado por ela, tem dois filhos que são uns doces, é uma profissional bem-sucedida e já deu a volta ao mundo uma meia-dúzia de vezes. O que é que falta? “Um projeto de vida”, responde ela.

Existe uma insaciedade preocupante nessa mulher e em diversas outras mulheres e homens que conquistaram o que, a priori, todos desejam, e que ainda assim não conseguem preencher o seu vazio. Um projeto de vida, o que vem a ser? No caso de quem tem tudo, pode ser escrever um livro, adotar uma criança, engajar-se numa causa social, abrir um negócio próprio, enfim, algo grandioso quando já se tem tudo de grande: amor, saúde, dinheiro e realização profissional.

Mas creio que esse projeto de vida que falta a tantas pessoas consiste justamente no que é considerado pequeno e, por ser pequeno, novo para quem não está acostumado a se deslumbrar com o que se convencionou chamar de “menor”.

Onde é que se encontra o sublime? Perto. Ao regar as plantas do jardim. Ao escolher os objetos da casa conforme a lembrança de um momento especial que cada um deles traz consigo. Lendo um livro. Dando uma caminhada junto ao mar, numa praça, num campo aberto, onde houver natureza.

Selecionando uma foto para colocar no porta-retrato. Escolhendo um vestido para sair e almoçar com uma amiga. Acendendo uma vela ou um incenso. Saboreando um beijo. Encantando-se com o que é belo. Reverenciando o sol da manhã depois de uma noite de chuva. Aceitando que a valorização do banal é a única atitude que nos salva da frustração.

Quando já não sentimos prazer com certas trivialidades, quando passamos a ter gente demais fazendo as tarefas cotidianas por nós, quando trocamos o “ser feliz” pelo “parecer feliz”, nossas necessidades tornam-se absurdas e nada que viermos a conquistar vai ser suficiente, pois teremos perdido a noção do que a palavra suficiente significa.

Sei que tudo isso parece fácil e que não é. Algumas pessoas não conseguem desenvolver essa satisfação interna que faz com que nos sintamos vitoriosos simplesmente por estarmos em paz com a vida, mesmo possuindo problemas, mesmo tendo questões sérias a resolver no dia a dia.

É inevitável que se pense que a saída está na religião, mas dedicar-se a uma doutrina, seja qual for, pode ser apenas fuga e desenvolver a alienação. Mais do que rezar para um deus profético e soberano, acredito que o que nos sustenta passa sim, por uma espiritualidade, porém menos dogmática.

É o cultivo de um espírito de gratidão, sem penitências, culpas, pecados e outras tranqueiras. Gratidão por estarmos aqui e por termos uma alma capaz de detectar o sublime no essencial, fazendo com que todo o supérfluo, que não é errado desejar e obter, torne-se apenas uma consequência agradável desse nosso olhar íntimo e amoroso a tudo o que nos cerca.

Um lindo domingo para você


27 de setembro de 2009 | N° 16107
DAVID COIMBRA


No tempo da pantalona

Eu tinha uma pantalona cor-de-rosa. A boca de sino da pantalona era do tamanho de uma tampa de panela de pressão, arrastava no parquê, cobria o Bamba branco. Cara, aquele Bamba branco era tric. Meu primeiro Bamba. Até então só usava Conga, e uma vez ganhei um par de Ki-Chutes. Nunca vou esquecer da sensação de abrir a caixa e olhar aquela lindeza. Pretinho, com travas de borracha, cadarço comprido, de amarrar em volta do tênis, igual aos argentinos.

Nossa, eu corria muito mais de Ki-Chute, corria que nem o Cyborg, o Homem de Seis Milhões de Dólares (baratinho, hoje). Mas era o Bamba que combinava com a pantalona rosa, sim, senhor. A camisa também fazia sucesso. Amarelona, com umas golas marrons que desciam a curva dos ombros. Evidentemente, tinha de ter três botões abertos ao peito. Uma elegância. As gurias olhavam e miavam:

– Djoia...

Lembrei dos velhos tempos da pantalona cor-de-rosa quando o Jones Lopes da Silva me veio com essa foto, dias atrás. O Jones está escrevendo um livro sobre a vida do Escurinho. No Último Minuto será o título. Estou ansioso para ler. Porque o trabalho do Jones, vejo todos os dias, é minucioso, é dedicado, é trabalho de artesão.

Esta é uma das fotos que ilustrarão o livro. Foi clicada na loja de roupas que o volante Tovar inaugurou creio que em 1974. Veja que preciosidade. Os seis rapagões vestidos com esmero, todos dentro de vistosas pantalonas, são jogadores daquela década. Os seguintes, da esquerda para a direita:

O tipo de terninho branco e pose de pistoleiro é o ponta-esquerda pernambucano Lula. Apelido bem de pernambucano, esse. Tratava-se de um temperamental, como a maioria dos canhotos. Enfurecia-se facilmente, como se nota pelo olhar grave que lança ao fotógrafo.

Brigava no vestiário, xingava o treinador, discutia com os colegas por qualquer tiro de meta mal cobrado. Mas, no jogo, apanhava a bola na esquerda e partia a drible rumo à área, rojando os adversários na grama, investindo gol adentro em velocidade, um ponta agressivo que não podia ficar um minuto sem vigilância. Hoje não existem mais pontas. Pena.

Ao lado de Lula, também de pantalona branca e também sério, Bolívar, o único jogador do Grêmio do grupo. É o pai do Bolívar que joga hoje no Inter. Bolívar Pai começou na ponta-esquerda, foi recuado para a lateral e acabou na quarta-zaga, sendo inclusive convocado para a Seleção.

Uma vez, Maurinho, um ponta do Caxias, tentou driblá-lo. Bolívar desferiu-lhe um golpe de bico de chuteira que lhe extraiu um contrafilé da coxa. Maurinho saiu de campo guinchando. Muitos queriam driblar Bolívar, alguns tentavam, poucos conseguiam, nenhum saía ileso.

Um pouco à frente, todo sorrisos, bigodes e cabelos, está o Cláudio Duarte. Chamavam-no “Bonitão”, porque, bem, naquele tempo de pantalonas e golas asa-delta, achavam-no bonito. Cláudio ainda é um homem de sorriso fácil, mas não gosta mais de usar bigode e não pode mais usar cabelo.

O de cabelo black-power é Jair, o Príncipe Jajá, que não dizia que o nome dele era Jair, dizia que era Jérrr, em carioquês.

O último de pé é Dom Elias Figueroa. Além de zagueiro de cotovelos de aço, tratava-se de um arrebatador de mulheres, o que se percebe pelos trajes calculados com critério. Olhe bem: se ninguém ali é casual, Figueroa é o menos casual.

E sentado debaixo de uma redoma de cabelos pretos, dentadura reluzente, blusa listrada, está o personagem do Jones. Escurinho. Preste atenção nos saltos plataforma que ele usa. Uma beleza. Nunca tive a experiência de subir em cima de saltos como estes.

Para completar a cena, bem à direita, já saindo da foto, uma velha máquina de escrever repousa sobre a mesa. Onde estará aquela máquina? Onde estarão hoje todos os bilhões de máquinas de escrever já produzidos pela humanidade? Alguém aí me diga.

Enfim, o que importa é que, naquele tempo, um ponta era um ponta, um lateral era um lateral. Ninguém era ala, jogador de quem não se exige a capacidade de marcar que tinha um lateral, e de quem não se espera a agressividade de atacar como tinha um ponta.

Um ala, que não é bem bem ponta, nem bem lateral, não é nada. Como as máquinas de escrever e as pantalonas, os pontas se foram. Mas, como o computador pessoal e o jeans, os alas não são a solução.


27 de setembro de 2009 | N° 16107
MOACYR SCLIAR


A foto no jornal

Como parte da renovação gráfica do Donna, as fotos dos colunistas agora aparecem em suas respectivas páginas. Ao menos no meu caso não é exatamente uma medida de natureza estética, mas cumpre-se assim uma função muito adequada à época em que nós vivemos.

É uma época que nem sempre brada, como as entusiastas plateias dos antigos espetáculos teatrais, algo como “O autor! O autor!”, mas que, de qualquer modo, quer saber quem escreveu aquele texto, que aparência tem essa pessoa. Curiosidade? Em parte sim, mas não só isso.

É também a ideia de que o texto e o autor se completam, que não se pode conhecer (ou avaliar) um, sem conhecer (ou avaliar) o outro. Autores anônimos, como aqueles que escreveram o Antigo Testamento, são uma impossibilidade. Até mesmo o pseudônimo, que foi usado por exemplo, por Machado de Assis na sua atividade jornalística, desapareceu.

No começo do século 20, fez enorme sucesso um escritor que se assinava B. Traven e que ninguém, mas ninguém mesmo, sabia quem era. B. Traven não dava entrevistas, não dava palestras, não ia a sessões de autógrafos, e nem mesmo falava com seus editores; quem o representava era um agente literário muito discreto.

Isso não impedia que fizesse enorme sucesso; um de seus livros, O Tesouro de Sierra Madre, foi levado às telas com o lendário Humphrey Bogart e foi um êxito.

Por fim descobriu-se que B. Traven era um marinheiro alemão chamado Ret Marut que, por causa de sua militância esquerdista, havia se refugiado no México. Agora: que diferença fez essa revelação? Nenhuma. O pseudônimo era perfeitamente aceitável.

Não mais. Autor tem de estar ao lado de seu livro, tem de dizer quem é, de onde veio, o que pretende. Isto, entre parênteses, corresponde a uma curiosidade compreensível. Transparência é uma palavra da moda, e ainda que às vezes a ânsia de desvendar segredos chegue ao voyeurismo do Big Brother, é, ao fim e ao cabo, uma manifestação do desejo de igualdade – uma coisa democrática, se vocês quiserem.

Que pode, no entanto, ter consequências inesperadas. Esses dias eu estava caminhando por meu bairro quando vi, jogada na calçada, uma página da Zero Hora. Não chega a ser uma coisa inesperada – bem que podíamos manter nossa cidade mais limpa –, mas o que me chamou a atenção foi o fato de que era a página do Donna com minha coluna e minha foto.

Será que alguém irritado tinha me arremessado pela janela? Não sei. Só sei que eu estava ali, no chão, meio mergulhado numa poça d’água. Quando voltei da caminhada a situação era ainda pior. Milhares, talvez milhões de pessoas tinham pisado naquela página de jornal. Àquela altura eu era, rigorosamente, um farrapo, um resíduo de autor.

Tudo bem. Textos não são eternos, o papel não dura para sempre, e o texto com a foto, que muitos considerariam uma massagem do ego, apresenta esses riscos. Talvez tenha sido por isso que os autores da Bíblia não se identificaram, nem posaram para fotos. Eles optaram pelo humilde conforto do anonimato. E foram recompensados por isso.

Agradeço as mensagens de Simone L. Berti, Dra. Mirna Brilman, Gia Faccin, Benhur Oliveira Bravo, Flavio da Rosa, Getulio Azambuja, Gustavo Schlottfeldt, Leda Bruxel, Alberto Oliveira. Como digo sempre: a melhor recompensa de quem escreve é ter leitores cultos e inteligentes.

Multimídia

* Será que alguém irritado havia me jogado pela janela? Não sei. Só sei que eu estava ali, no chão, meio mergulhado numa poça d’água


27 de setembro de 2009 | N° 16107
PAULO SANT’ANA


Impossível recomeçar

O avião navega tranquilamente em céu de brigadeiro. De repente, lá no alto, a milhares de metros de altitude, o avião explode.

Algumas teorias aeronáuticas afirmam que a explosão de muitos aviões sem causa aparente se dá por um fenômeno que a ciência aviatória designa por fadiga dos metais.

Também no amor, como na aviação, remanesce esse fenômeno. De repente, a frágil plantinha do amor explode ou não levanta mais do chão, deixa de crescer, murcha, cai por terra.

A fadiga dos metais se dá no amor por força do fastio entre o casal. O avião do amor explode ou não mais decola porque não resistiu mais à inanição provocada pela rotina dos movimentos, pela ausência de planos de voo, pela satisfação definitiva dos desejos.

E nem pensar em reconstruir um amor em cima dos seus próprios escombros, era aí que eu queria chegar.

Já experimentou o leitor ou leitora, depois de determinado tempo, dois, três ou quatro anos, uma reconciliação de um grande amor?

Pois nem cogite remotamente dessa experiência. Ela lhe será trágica.

Uma vez me encontrei com uma mulher que tinha sido minha grande amada. E nosso reencontro tinha o objetivo velado da reconciliação.

Não há mais rotundo fracasso que esse. A gente fica olhando um para o outro, na mesa de um bar, numa biblioteca, numa praça, em qualquer lugar. A outra pessoa vai minguando, minguando na frente da gente, até que parece desaparecer: é impossível reerguer um amor que outrora foi sólido e inderrubável.

A gente perde o jeito de sorrir que tinha, como disse o Quintana. A gente perde o ânimo e a firmeza que tinha, morre o sonho, morre a utopia, nascem todos os fantasmas e todos os aliados da irrecuperável separação.

Assim como não se pode unir peça por peça do avião explodido, não se pode reconstruir um amor antes findo, definitivamente sepultado.

Chega a ser repulsiva a imagem daquela mulher ou daquele homem que está na nossa frente, o vazio e a distância que separam um casal que cogitou da reconciliação viram um imenso abismo intransponível.

Nunca queira, prezado leitor, estimada leitora, refazer um caso de amor depois de algum tempo: falecer-lhe-ão todas as forças, lhe desaparecerão todas as energias, só restará a impotência aliada à mais completa desilusão.

É muito fácil e prosaico um amor nascer. E é muito difícil, quase impossível, um amor renascer.

Porque o amor é como a mistura desses componentes químicos que, uma vez plasmada, a ela só resta a sobrevivência durante um tempo ou a morte. Jamais o renascimento de sua composição.

Eu diria até que o amor se resume só ao seu nascimento. Porque é quando nasce que o amor começa a morrer, assim como a vida de qualquer ser.

Não há nada mais amassante e dilacerante, portanto, que um casal que decida recomeçar. Porque mal sabe que sua reconciliação se chocará logo ali adiante contra os rochedos duros e rudes da impossibilidade do reflorescer dos elementos e da fadiga dos metais.

Como é triste a tentativa de recomeçar um grande amor. Primeiro porque, fosse – e não é – possível recomeçar, esse amor jamais chegaria a ser o mesmo. E, como não haverá recomeço, pela segunda nostálgica e frustrante vez é declarado extinto o grande amor.

E não há nada mais trágico do que a extinção do amor.

JOSÉ SIMÃO

Leve uma quentinha para o Zelaya!

Vamos lançar a campanha democrática latino-americana. E abaixo os golpistas!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Eu ainda estou com o fuso horário do Egito. E qual é o fuso horário do Egito? Cinco mil anos! Rarará!

E esse é o Ano do Bigode no Brasil. No horóscopo chinês não tem o ano do rato, o ano do dragão? No Brasil é o ANO DO BIGODE: Sarney, Mercadante, Belchior e Zelaya.

O Zelaya é o Ratinho! O Zelaya devia ser reempossado como presidente da Festa do Peão de Boiadeiro! Diz que o Zelaya devia ter se refugiado na casa do chapéu! Rarará! E o chargista Dalcio revela o que o Lula disse no jantar da ONU: "Ban Ki-moon, posso fazer uma quentinha pro Zelaya?".

Vamos lançar a campanha democrática latino-americana: LEVE UMA QUENTINHA PRO ZELAYA! Rarará! E abaixo os golpistas! E sabe o que a dona Marisa (a nossa Hello Kitty) falou pro Lula sobre o caso Zelaya? "Mais um fio de bigode na sua camisa?!" Rarará! E agora o Lula tá no G20. G8 é pra rico. Ricos só são oito! G20 é pra pobre.

Pobre que gosta de andar em penca! Terceiro Mundo! O G20 parece o terminal da TAM em Paris, só terceiro mundo. Rarará! No G8 servem canapé, e no G20, coxinha! E o G20 tá sendo chamado de GEME 20. Todo mundo gemendo: estou sem dinheiro, estou sem dinheiro!

E o governo golpista de Honduras exige que o Brasil defina o status do Zelaya. Só sei de quatro status: on-line, off-line, ausente e volto logo! O KASSAB ANDOU DE ÔNIBUS! Qual dos dois é o pior? Rarará! O Kaxab dentro de um ônibus é um ET!

E diz que ele perguntou pra um passageiro: "O que o senhor faria pra melhorar o transporte em São Paulo?". "Faria o ônibus sumir com o senhor dentro!" Rarará! "Transformava o seu Ford blindado num ônibus caindo aos pedaços".

Dia Mundial sem Carro. Esta semana teve até Dia Mundial sem Carro. Aí, roubaram o carro do meu vizinho justo no Dia Mundial sem Carro. Virou Dia Mundial sem o Meu Carro! O ladrão devia ser ecológico. Bicicleteiro! Bicicleteiro até transa com a bicicleta. Transar com bicicleta é PEDALFILIA! E a gente devia estender essa ideia: Dia Mundial sem o Lula. Dia Mundial sem o Galvão Urubueno.

Dia Mundial sem a Sonia Abrão! Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Ou, como disse aquele outro: "É mole, mas trisca pra ver o que acontece!". E atenção! O Orélio do

Lula! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. Sabe qual foi o discurso do Lula na OEA? Ele subiu e disse: "OEAIU!" O lulês é mais fácil que o ingrêis. Nóis sofre, mas nóis goza.

Hoje só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

simao@uol.com.br

Um lindo sábado e um gostoso domingo para você

CLÓVIS ROSSI

Imperdoáveis incoerências

PITTSBURGH - Se o governo Luiz Inácio Lula da Silva pretende ser realmente um ator de peso na cena global, vai ter que definir-se mais claramente em relação a determinados temas e abandonar a parte "amor" do slogan "Lulinha, paz e amor".
Paz, tudo bem. Amor, reserva-se apenas para quem o merece.

Vejamos o caso do Irã. Tudo bem que Lula tenha cobrado, em privado, a negação do Holocausto, esse crime que o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, comete com inquietante frequência. Mas o que adianta se, depois, em público, diz aos jornalistas que negar o Holocausto "é problema dele"?

Passemos agora a Marco Aurélio Garcia, o assessor diplomático de Lula, que reclama que, na falta de uma "atitude enérgica" em relação ao golpe em Honduras, o mau exemplo vai se disseminar pela América Latina.

Bom, nesse caso todo o mundo fica autorizado a imaginar que o mau exemplo de negar o Holocausto vai se disseminar pelo mundo muçulmano. Não obstante, o governo Lula, em vez de uma "atitude enérgica", convida Ahmadinejad para visitar o Brasil e se dispõe a ir ao Irã, como a natural contrapartida.

Claro que não é o caso de romper relações com Teerã, até porque há poucos santos no mundo real para que as relações de Estado sejam apenas com eles.

Mas tampouco é o caso de lavar as mãos, o que vale também para o problema nuclear. Marco Aurélio justificou a aceitação pelo Brasil da explicação iraniana de que seu programa é exclusivamente para fins pacíficos, alegando que o Brasil não é a Agência Internacional de Energia Atômica, xerife nesse âmbito.

Não é mesmo, mas acabou passando por bobo quando se revelam instalações nucleares antes ocultas, o que levou o presidente Nicolas Sarkozy -aliado estratégico do Brasil- a dizer que "já estamos em uma séria crise de confiança".

crossi@uol.com.br

Claudio de Moura Castro

A arte de governar

"A história classifica como estadistas aqueles que perceberam as reais necessidades do país, assumiram o risco da impopularidade no curto prazo, mas souberam vender suas ideias com sucesso"

Nas democracias, o governo cumpre os desígnios dos cidadãos. O povo diz o que quer, o governante executa. Parece uma receita infalível. Mas será? Em cidade relativamente próspera de Minas Gerais, uma pesquisa de opinião mostrou que três quartos dos jovens reclamavam da falta de diversões.

Apesar de os esgotos serem jogados in natura nos córregos, nem mesmo entre os adultos houve reclamações quanto à falta de tratamento de efluentes. Sabidamente, esse é o investimento que mais faz cair a mortalidade infantil. O que deve fazer o prefeito? Esgotos que salvam vidas ou espetáculos de música sertaneja que trazem votos?

Um livro recente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Understanding Quality of Life, mostra abundantes estatísticas sobre o que os latino-americanos mais valorizam. Nelas fica claro o conflito entre o que as pessoas querem e o que é necessário para garantir um futuro promissor para o país. Pesquemos alguns temas do livro. As pessoas querem medicina de alta tecnologia e atendimento hospitalar. Contudo, a saúde pública preventiva é mais barata e evita as doenças.

Verificou-se também que o estado de saúde das pessoas pouco se associa com as suas percepções de saúde. No Brasil, pobres e ricos estão igualmente satisfeitos com os serviços de saúde. Mas sabemos serem piores para os pobres. Nos países mais ricos da América Latina, há mais contentamento com a situação da saúde.

No entanto, quando o país cresce, baixa essa satisfação. Não dá para entender. No Brasil, 65% dos entrevistados estão satisfeitos com a educação. Somente os mais educados percebem como ela é ruim. De fato, sabemos ser péssima a sua qualidade: último lugar no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2001. Ainda pior, entre 1980 e 2000, em um grupo de 35 países, o Brasil foi o que mais recuou de posição.

Ilustração Atômica Studio

Na área econômica, as percepções também estão desalinhadas com a realidade. Mais renda se associa a mais satisfação. Até aqui, vamos bem. Mas o crescimento econômico traz desagrados. Entre outras coisas, requer mudança de políticas, reformas e outros sustos, mais temidos do que a pobreza.

Apesar de o desenvolvimento econômico acabar beneficiando os pobres, são eles que mais resistem às mudanças. Ademais, têm uma opinião mais ingênua acerca da competência do governo. Nessa área, entra em cena um mecanismo maldito. As aspirações crescem mais rápido do que a renda.

Em suma, os governados indicam aos governantes algumas prioridades incompatíveis com o progresso. Pensam no curto prazo e são consumistas impenitentes. Dizem que querem sistemas de saúde mais caros (e mais ineficientes). Querem conforto nas escolas e desdenham mais aprendizado. Não querem as reformas econômicas imprescindíveis para crescer.

A reação mais imediata diante dessa miopia nas preferências é perguntar se não seria a melhor receita um governo autoritário, do tipo "déspota esclarecido". Contudo, como Churchill nos advertiu, a democracia é um péssimo sistema de governo, com a agravante de que não há outro melhor.

A experiência com déspotas de todos os sabores não mostra um bom registro histórico. Quando acertam aqui, acolá cometem um erro mais estrondoso. Não é por aí. Temos de insistir nos acertos capengas que nos oferece um sistema democrático e na tentativa de esclarecer a opinião pública.

Os governantes se equilibram em um terreno resvaladiço. Se tentam oferecer o que trará mais progresso e desenvolvimento, sem ouvir o povo, arriscam-se a perder sua popularidade e, com ela, seu poder de implementar reformas. Podem acabar execrados e sem reformas (veja-se Jimmy Carter). Governos populistas fecham as portas para o futuro se jogam confete ao povaréu ou alimentam seus anseios imediatistas.

Os exemplos latino-americanos estão nos jornais. Em contraste, governantes bem-sucedidos não perdem a ressonância com a sociedade, mas negociam também uma agenda de futuro.

A história classifica como estadistas aqueles que perceberam as reais necessidades do país, assumiram o risco da impopularidade no curto prazo, mas souberam vender suas ideias com sucesso. Na teoria, a receita é simples: visão, coragem e liderança.

A pílula pode ser amarga. Churchill jogou pesado quando ofereceu aos ingleses apenas "sangue, suor e lágrimas". Mas ganhou. Pena que não adianta colocar um anúncio classificado do tipo "Precisa-se de um estadista".

Claudio de Moura Castro é economista - claudio&moura&castro@cmcastro.com.br

Livros

Como sair dos vales e permanecer nos picos

É o que pretende ensinar o novo livro do autor de Quem Mexeu no Meu Queijo?. Na autoajuda corporativa, não existe tempo ruim – nem relevos inacessíveis

Marcelo Marthe

Montagem sobre foto divulgação e ilustração Negreiros


Em 1985, o americano Spencer Johnson se sentia no fundo de um vale de lágrimas. "Eu me perguntava: pode haver algum significado para um período ruim?", diz Johnson (que prefere não revelar os problemas que o afligiam).

A provação ajudou-o a amadurecer um projeto que, treze anos mais tarde, o transformaria num dos mais bem-sucedidos gurus empresariais do mundo: o livro Quem Mexeu no Meu Queijo?. Com essa parábola sobre dois ratos e dois homenzinhos que disputam um naco de queijo num labirinto, lançada em 1998, Johnson encontrou uma forma acessível de falar sobre os desafios de se adequar às mudanças.

Dos Estados Unidos à China, o livro vendeu mais de 24 milhões de exemplares (no Brasil, 1,2 milhão). Johnson também credita às dificuldades do passado a ideia que agora, enfim, inspira a sua primeira empreitada original desde a história do Queijo. Picos e Vales (tradução de Alexandre Rosas; Best Seller; 126 páginas; 24,90 reais) pretende ensinar o leitor a tirar o melhor dos momentos ruins.

Ele diz que levou 25 anos destilando os conceitos do livro – e calhou de lançá-lo justamente num momento em que o mundo mal começa a sair do "vale" da crise financeira internacional. O autor (e médico) americano é um dos expoentes de uma categoria que desconhece a palavra crise – a autoajuda voltada ao mundo corporativo cresceu e se diversificou nos últimos dez anos. E segue lucrando com a atual turbulência econômica.

"Passar por provações é o que impulsiona o ser humano a crescer", disse Johnson a VEJA (veja entrevista abaixo). Os cataclismos econômicos fazem com que muita gente busque subsídios para lidar com a nova realidade. Significativamente, um dos maiores sucessos da autoajuda de todos os tempos, Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, do americano Dale Carnegie, tornou-se popular nos tempos da Grande Depressão, nos anos 30.

Na Inglaterra e nos Estados Unidos, a livraria virtual Amazon registrou aumento na procura por títulos dessa área nos últimos meses. No Japão, um dos países mais seriamente afetados pela crise, Picos e Vales chegou ao topo do ranking de mais vendidos do site nessa área menos de 24 horas depois de seu lançamento. Em breve, o brasileiro Roberto Shinyashiki também pretende tirar sua casquinha da crise.

O tema de seu novo trabalho, A Coragem de Confiar, é o medo – inclusive das tempestades na economia. Só se detecta uma certa ressaca numa vertente desse mercado. No fim de 2007, livros sobre como investir e ganhar dinheiro na bolsa estavam em alta. A crise afugentou os leitores.

O brasileiro Gustavo Cerbasi, autor de Casais Inteligentes Enriquecem Juntos (há 163 semanas na lista de mais vendidos de VEJA), parece ser a proverbial exceção que confirma a regra. "Minhas vendagens caíram, mas nem tanto. É que, ao contrário de muitos autores que pregam o enriquecimento a qualquer custo, sempre defendi a cautela nos investimentos", diz ele.

A autoajuda, empresarial ou de qualquer natureza, é um campo em que se encontra muita conversa mole. Mas seria um erro descartar esses livros em bloco. Um bom livro do gênero traduz conceitos complexos para uma linguagem acessível, ainda que às vezes simplória.

Picos e Vales, por exemplo, recicla um conceito lançado nos anos 40 pelo economista austríaco Joseph Schumpeter: a "destruição criativa", tese segundo a qual o capitalismo evolui por meio de uma sucessão de crises. "Esses livros cumprem um papel importante, ao despertar as pessoas para os problemas e lhes mostrar caminhos para superá-los", diz o professor Claudio Felisoni de Angelo, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo.

A autoajuda empresarial se vale de vários formatos para tanto. Há os autores que investem numa linguagem mais técnica, com recurso ao jargão empresarial. É o caso de Cerbasi e dos americanos Stephen Covey e Robert Kiyosaki.

Outros ficam na fronteira entre a autoajuda empresarial e um discurso motivacional genérico – muitas vezes com um pé no esotérico. Aí se incluem Roberto Shinyashiki e o indiano Deepak Chopra (que já viveram dias melhores nas listas de mais vendidos).

Em Quem Mexeu no Meu Queijo?, que rendeu filhotes cuja venda total alcançou 800 000 exemplares no Brasil, Johnson injetou leveza na fórmula desses manuais, ao valer-se de uma parábola para passar sua mensagem.

E faz o mesmo em Picos e Vales: um jovem insatisfeito (que mora num vale, claro) certo dia sobe a uma montanha, onde um velho o ensina a lidar com os altos e baixos da vida. A lição: qualquer um, mediante uma mudança de atitude, pode tornar seus vales pessoais mais breves e prolongar sua estada nos picos.

O texto é curto e impresso em tipos grandes – o que permite que se leia da primeira à última página em pouco mais de uma hora. O também americano James Hunter usa uma historinha semelhante em O Monge e o Executivo. No livro, ele narra a história de um empresário que larga tudo para viver num mosteiro beneditino – e lá descobre as vantagens de ser chefe generoso (ou um "líder servidor").

Hunter é, aliás, um caso curioso. No mercado internacional, O Monge vendeu 900 000 cópias – contra 2,1 milhões por aqui.

Enquanto ensina as pessoas a sair de seus vales, Johnson vive feliz no que se poderia chamar de seu pico pessoal – uma casa numa praia do Havaí. Ele se mudou para lá nos anos 80, em busca de sossego para refletir e escrever livros. Aos 70 anos, afirma que a chave de seu sucesso é não ter pressa de amadurecer suas teorias baseadas nas próprias vivências.

"Faço questão de viver na prática tudo o que escrevo antes de publicar minhas obras. Dou 100% de garantia de que funciona", afirma. Autoconfiança é artigo de primeira necessidade entre os autores de autoajuda.




Montagem sobre fotos Eleanor Bentall/Latinstock, John Parra/Wireimage/Getty Images, Scott Wintrow/Getty Images, Raul Junior, divulgação, Claudio Rossi e ilustrações Negreiros

Saúde para dar. E vender, claro

Spencer Johnson está lançando seu primeiro livro com conceitos inéditos desde o best-seller Quem Mexeu no Meu Queijo?, de 1998. Nesta entrevista, ele fala (pouco, é um homem de pouquíssimas palavras) sobre Picos e Vales.

Autores de sua área costumam ser muito prolíficos. O senhor, ao contrário, leva muitos anos para escrever um livro. Por quê?

Produzo devagar porque gosto de viver aquilo que escrevo, para ter certeza de que funciona. Fico muito feliz que mais de 50 milhões de pessoas em 42 línguas tenham encontrado em meus livros uma ferramenta para melhorar sua vida. Sou médico, e todas as histórias que escrevo têm a intenção de fazer as pessoas ficarem mais saudáveis, tanto emocional quanto fisicamente.

A crise tem impulsionado as vendas de Picos e Vales?

Sim. No Japão, já no dia do lançamento, Picos e Vales atingiu o primeiro lugar no ranking de livros de negócios na Amazon. E o Japão é um dos países mais afetados pela crise. Os japoneses, como todos nós do Ocidente, estão procurando por algo prático, que eles possam usar de imediato – e que funcione.

E qual é sua lição específica sobre tempos de crise?

Profissionais têm de respeitar a série de altos e baixos que rege qualquer negócio. Durante tempos bons, devemos nos preparar para períodos de baixa que inevitavelmente virão, cedo ou tarde.

E quem ler o livro saberá o que fazer durante a tormenta, para voltar à bonança o mais rapidamente possível.

Fontes: editoras Best Seller, Campus/Elsevier, Gente, Sextante e Thomas Nelson Brasil