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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
09 de dezembro de 2009 | N° 16180
DIANA CORSO
Queremos tanto a Leila
Apesar de ser acusada de leviana e superficial, houve poucos que levaram nossos desejos tão a sério como ela. Acreditamos que a vida é curta para ser desperdiçada numa rotina medíocre, que emoções fortes garantiriam uma existência que valesse a pena.
Ela tomou sonhos por desígnios e, por ser mulher, coube-lhe a aventura da paixão, a experiência venturosa do sexo. Como a realidade que lhe tocou negou-lhe as oportunidades de cortesã, foi nos livros que ela encontrou um cenário para seus sonhos. Como suas heroínas, em fantasia circulava pelos salões, vivia romances tórridos num ambiente opulento.
Na vida real, entre um jovem escrivão e um nobre decadente, arejou sua existência provinciana com algum sexo e muitos devaneios. Comprou vestidos caros, foi uma Cinderela devassa enquanto pôde. Mas seus príncipes a deixaram em farrapos, descartaram-na assim que descobriram fazer parte do delírio amoroso de Emma Bovary. Endividada, solitária e frágil, ela despertou para uma realidade que jamais havia vivido, afinal, ela era habitante dos sonhos, os seus e os nossos.
Emma era personagem dos romances que lia e não sabia ser outra coisa. Tomou veneno, morreu dolorosamente, perdendo também o direito a seu último desejo, que era simplesmente adormecer. Ela não está sozinha nessa empreitada de confundir a vida de celulose com a parca realidade. Quer seja em celulose, celuloide ou sinais digitais, aprisionamos alguns seres humanos numa existência romanceada, a serviço de nossa alienação.
Não é à toa que Emma deu origem ao termo “bovarismo”, que designa todos aqueles que resistem a desembarcar de suas fantasias. Como Madame Bovary, as pessoas que se engajaram na tarefa de encarnar personagens não têm como sobreviver à vida tridimensional.
Julio Cortázar, num conto chamado Queremos tanto a Glenda, apresenta-nos um grupo de admiradores do trabalho de uma atriz, cuja carreira perfeita os unia.
Quando ela resolve voltar às telas, depois de uma retirada de cena que eles julgavam ter sido perfeita, maculando sua imagem de ídolo, eles decidem colocar o ponto final com as próprias mãos: “Na altura inatingível onde a havíamos exaltado, a preservaríamos da queda, seus fiéis poderiam seguir adorando-a sem míngua; não se desce vivo de uma cruz”.
Só para dizer que o fim da bela morena Leila Lopes, uma Leila nada Diniz, para sua desgraça, foi um sacrifício da personagem. Não fomos nós que a matamos, como os fãs de Glenda, mas talvez o bovarismo da nossa época não a tenha ajudado.
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