quarta-feira, 16 de dezembro de 2009



16 de dezembro de 2009 | N° 16188
DAVID COIMBRA


Uma mulher dormindo no Fusca

Uma mulher acabou com a nossa turma, uma vez. Éramos amigos de infância, saíamos todas as semanas, tínhamos um time de futsal. Bom time, bem entrosado, custava a perder.

Afinal, nos conhecíamos desde os tempos do gude, do boco, do polícia-ladrão. Aos sábados, íamos jogar bola nas quadras do Dom Bosco, depois tomávamos Faixa Azul no armazém do Seu Zequinha, bem ali onde hoje é a borracharia do Brazinha, e só mais tarde é que íamos para a esbórnia.

Era sempre assim, e era bom.

Mas um dia um dos amigos começou a namorar com aquela mina. Não era bonita, mas também não era feia. Não era magra, tampouco gorda. Nem alta, nem baixa. Em tudo tratava-se de uma média.

Primeiro, ela passou a frequentar a última etapa do sábado, a finaleira, os bares da boemia. Era divertida, bebia bem, entrosou-se facilmente com o pessoal. Passadas algumas semanas, ela apareceu no fim do jogo e desceu conosco o morro do Alim Pedro até a sordidez do armazém do Seu Zequinha.

No princípio achamos estranho: bebíamos suados, de calção e camisa de time, esparramados nas cadeirinhas de metal, e só falávamos das nossas façanhas no jogo que havia terminado e das que planejávamos para a noite que ia começar. Aos poucos, porém, fomos nos acostumando com a presença dela, até porque ela parecia não se escandalizar com nenhuma das escatologias que dizíamos e ria das nossas piadas.

Uma tarde, enfim, ela chegou ao Dom Bosco num Fusca, o nosso amigo ao lado. Alguém brincou:

– Reforço pro time?

Ela riu:

– Só vou assistir.

Não assistiu. Ficou no Fusca, dormindo. Nos outros sábados, a mesma coisa. Ela chegava com o nosso amigo e não saía do Fusca. O Fusca permanecia estacionado à margem da quadra, ela no banco da frente, a cabeça jogada para trás, a nuca apoiada no encosto, a boca aberta, roncando. Por que ficava dormindo naquele Fusca? Tinha algum propósito premeditado? Sabia o que estava fazendo?

Decerto que sabia, porque a cada sábado o nosso amigo parecia mais constrangido. Só que, curiosamente, não se constrangia com ela; constrangia-se conosco. E, em vez de pedir que ela não fosse mais assistir aos jogos, desistiu ele de ir. Perdemos um eficiente ala pela direita.

Eles continuaram frequentando a turma nos bares da noite, só que ela aparecia sempre de mau humor, seu estado de espírito influenciava todo mundo, a mesa ficava tensa, as madrugadas terminavam em discussão. A turma se desfez. O time se desfez. Por causa de uma mulher.

As mulheres são assim, ou pelo menos algumas delas: se realizam quando conseguem fazer um homem desistir do que lhe é mais caro. É um troféu para elas. Uma realização. Uma prova do quanto elas são importantes.

Uma mulher acabou com os Beatles; uma mulher, ao acabar com Mike Tyson, acabou com o boxe internacional; uma acabou com a nossa turma; e agora outra está acabando com o golfe, ao acabar com o Tiger Woods. Cristo, por que as mulheres são assim???

*
Chuteira 37 e meio

O Palhinha calçava 37,5. Precisamente 37,5. Mandava fazer as chuteiras na Europa. Esse Palhinha de que falo é o do Cruzeiro, que jogava com Joãozinho, Jairzinho e Nelinho. Era um time de inhos, mas era um timão.

O Palhinha usava o cabelo bem curto, cortado rente, máquina um, mas era quem mais se demorava no vestiário, diante do espelho, ajeitando o penteado.

O Palhinha teve o nariz quebrado por uma cotovelada do Figueroa nos anos 70.

O Tarciso também. Tinham isso em comum, os dois, além de jogarem ambos em times que vestiam azul e serem dois craques.

O Foguinho, em seu derradeiro retorno ao Grêmio, em 1976, tinha um sonho: reunir Palhinha e Tarciso no mesmo ataque. Dizia, o Foguinho, que com esses dois teria velocidade e técnica suficientes para vencer Figueroa e seus comandados.

Vendo o Tarciso jogar na festa do Danrlei, sábado passado, ele na fronteira dos 60 anos e correndo como se tivesse 20 a menos, ele dando assistência para gol, dividindo com zagueiro, driblando e cruzando, vendo o velho Tarciso lembrei-me do novo, lembrei-me de Palhinha, e pensei: o Foguinho sabia tudo, o Foguinho devia ter razão.

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