sábado, 26 de dezembro de 2009



O Natal da avó deste garoto

por Paulo Nogueira | Amanda Knox, O.J.Simpson, sean goldman

Um menino amado e disputado

VI A COBERTURA enviesada e patriótica que a mídia dos Estados Unidos deu ao caso do garoto Sean Goldman, amado e consequentemente disputado na justiça pelos dois lados de sua família, representados pelo pai americano e pela avó brasileira.

Descarto aqui o padrasto brasileiro, peça relevante no tabuleiro legal mas secundária na rede de afetos de Sean. Foi a segunda vez, em pouco tempo, que me chamou a atenção a parcialidade nacionalista dos jornalistas americanos.

A outra foi a maneira como cobriram o julgamento, em Perúgia, da estudante americana Amanda Knox, 22 anos. Bonita como uma estrela, cínica a ponto de rir durante o julgamento e ao perceber as câmaras fingir choro e compunção, Amanda foi condenada a 26 anos de cadeia pela morte da estudante inglesa Meredith Kercher, 21 anos.

Elas rachavam, com outras duas estudantes, o aluguel de uma casa em Perúgia, um centro universitário de alto nível ao qual acorrem jovens do mundo inteiro. Eram múltiplas as evidências contra Amanda, de seu DNA no cabo da faca ensanguentada encontrada ao lado do corpo de Meredith às múltiplas mentiras que ela contou, entre elas a incriminação do dono do bar em que ela trabalhava, para não falar numa confissão que depois ela desautorizou.

O momento mais cômico e trágico da cobertura americana se deu num programa de televisão em que uma dupla de jornalistas chamou, para reforçar seu ponto, uma juíza, e ela, para surpresa indignada de ambos, defendeu a lógica da sentença contra Amanda.

Não percebi no amplo espaço dedicado ao tema pela mídia americana uma única menção de lamento pela morte tão cedo e tão violenta de Meredith, objeto de estupro e de facadas que a deixaram com o pescoço aberto e a fizeram agonizar por pelo menos duas horas, segundo os legistas. Amanda, na mídia americana, parece mais vítima que Meredith.

O comentário mais inteligente que vi sobre a patriotada americana nessa caso foi o de um leitor na Inglaterra que notou que, no fundo, Amanda teve sorte em ser julgada na Itália, a começar pela razão de que em 15 estados americanos vigora a pena de morte.

Mais uma vez, o patrotismo exacerbado derrotou o jornalismo sóbrio no tom geral que se deu nos Estados Unidos ao caso de Sean, afinal entregue ao pai biológico. A justiça brasileira foi desqualificada como suspeita no decorrer do processo e acusada de se vergar à influência do padrasto de Sean, um homem oriundo de uma família tradicional nos meios jurídicos nacionais. Também a justiça italiana fora ridicularizada no julgamento de Amanda.

Como se a único reduto da ética jurídica fossem os Estados Unidos, o berço dos advogados espertalhões e dos processos irracionais, e também a terra onde foi dado o veredito de inocente a O.J. Simpson. Ora, era legítimo e natural que os familiares brasileiros quisessem ficar com o garoto que cresceu entre eles, longe do pai. Estranho seria se, morta a mãe, o menino fosse despachado para os Estados Unidos no primeiro avião.

Quem teria agido de forma muito diferente, ainda mais considerada a visão sobre o pai, oriunda da mulher que se separou dele? Não se sabe o quanto distorcida ou não a versão dela pode ter sido, mas era ela a fonte de informação que a família tinha. De resto, sou pai e teria feito tudo pela guarda desde o primeiro dia. Não espanta que a história tenha ido parar na justiça.

O.J. Simpson recebeu da justiça americana o veredito de inocente

É um caso de amor incondicional, e assim deve ser entendido. Que tenha se arrastado tanto tempo é sinal da complexidade da decisão e do empenho posto pelas duas partes em ficar com Sean, por abundância e não escassez de amor. Confio também que afinal tenha sido tomada a decisão mais acertada.

(É possível ver no Youtube o julgamento no canal do Supremo Tribunal Federal.) Carimbar o episódio como sequestro é um absurdo, tanto quando descrever a avó como uma vilã, ou uma granfina manipuladora e fria. Ela é, sim, vítima do amor, das perdas e do desespero. E, provavelmente, da convicão de que o neto ficaria melhor no Brasil. Lutou não por dinheiro, não por bens materiais, mas pelo neto.

E perdeu. Sean é muito amado, e isso vai ajudá-lo a superar não apenas a orfandade tão precoce mas, mais que isso, a divisão que se estabeleceu entre os dois lados da família em torno dele. Tem, além do mais, o vigor copioso da juventude para se restabelecer no correr dos longos dias. Não é o caso da avó, que perdeu a filha numa ocasião que deveria representar festa, um parto, e agora vê o neto partir para longe.

Se a causa fosse apreciada por Salomão, as duas partes renunciariam à guarda, é minha sensação, tal o zelo amoroso por Sean que emana de ambas, mesmo em meio à saraivada de acusações recíprocas. Não será um Natal feliz para a avó e a perspectiva de que seu ânimo melhore no ano novo ou depois é remota, agora que lhe foi arrancado — legalmente, é verdade — mais um pedaço.

Mas nada que mereça uma palavra de simpatia, compaixão ou simples compreensão da mídia americana. Se a família brasileira fosse tão influente assim, e a justiça brasileira tão suscetível a isso, a sentença teria sido outra. Ponto.

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