quinta-feira, 31 de dezembro de 2009



31/12/2009 e 01/01/2010 | N° 16202
RICARDO SILVESTRIN


A música que você ouve

Li no excelente livro Contra-Indústria, de Estrela Leminski e Téo Ruiz, que, nos Estados Unidos, a prática do jabá é proibida por lei. Aqui, no Brasil, não é.

O músico Lobão já tentou, sem sucesso, que se aprovasse também no nosso país a proibição. Jabá é o que, se provado que existe, seria chamado de verba de marketing.

Na prática, segundo o livro, as grandes gravadoras comprariam espaço em rádios e em televisões para que toquem, com um enorme número de repetições, as suas músicas. O resultado é que quem ouve, sem estar informado disso, acabaria achando que se trata de um grande sucesso, conquistado por seus próprios méritos estéticos.

Funcionaria como uma compra de espaço de mídia. Para anunciar um produto, a repetição da propaganda serve para que o maior número de pessoas interessadas conheça, lembre, grave suas qualidades e queira experimentar.

Depois de experimentado é que podem dizer se gostaram. Nessa linha, o argumento dos supostos jabazeiros é que, se uma música não for aprovada por quem ouve, não vai virar sucesso. Não há repetição que faça sucesso por ela. Contudo, a orientação apenas pelo gosto da audiência não faz esse gosto avançar.

Música não é só produto. É cultura. Não custa repetir a frase do ex-ministro da cultura, Gilberto Gil: “O povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe”.

Ainda no paralelo com a propaganda, há um artigo do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária que recomenda deixar claro quando se trata de uma mensagem publicitária.

Por exemplo, quando um anúncio é criado para parecer uma matéria de revista ou de jornal, deve vir escrito, com destaque, que se trata de um informe publicitário. O mesmo poderia ser aplicado a essa chamada verba de marketing das gravadoras.

Uma locução no rádio anunciaria que se trata de um espaço de divulgação de determinada música comprado pela gravadora. Na TV, o apresentador teria de dizer o mesmo. Assim, o espectador poderia julgar a música com mais liberdade. Se fosse uma verba de marketing, não pareceria lógico que devesse cumprir as mesmas regras para exibição de peças de propaganda? Quem regula isso?

É certo que hoje vivemos um momento diferente também da indústria da música. A troca de arquivos de áudio pela internet, o barateamento dos custos de produção com a tecnologia digital, tudo isso faz com que trabalhos de diferentes propostas, mais arte do que mercado, possam encontrar novos meios para que cheguem às pessoas.

Mas não podemos deixar a mídia de massa nas mãos do mercado pelo mercado.

As grandes emissoras também devem, pelo próprio contrato que concede ocupar esse espaço, levar arte, cultura e entretenimento sadio para a população. Não existe livre mercado sem lei que o regulamente. Os americanos que o digam.

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