sábado, 26 de dezembro de 2009



27 de dezembro de 2009 | N° 16198
PAULO SANT’ANA


Bota dilema nisso

Se você, leitora ou leitor, fosse a Justiça, ou fosse um ministro do Supremo, teria devolvido o menino Sean Goldman ao seu pai legítimo nos EUA, ou manteria o garoto com seu padrasto e sua avó no Brasil?

Nesta hora é que todos nós folgamos em não ter de decidir uma questão tão espinhosa. Melhor que não sejamos nós que tenhamos de contentar uma parte e desprezar a outra.

Que encrenca! Qualquer que fosse a decisão, amassaria uma das partes.

Intuitivamente, todos nós respeitávamos o direito do pai biológico do garoto de tê-lo sob sua guarda, como afinal aconteceu na véspera de Natal, quando o menino foi recambiado para os EUA por decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal.

Mas como não dar importância ao enorme tempo em que o garoto ficou sob a guarda de seu padrasto e se afeiçoou ao lar brasileiro?

Também há que se considerar, como fator importante no caso, o fato de o pai biológico do garoto ter restado nos EUA sozinho, sem seu filho, depois que sua ex-mulher morreu no Brasil.

Se eu fosse o juiz do caso, faria um raciocínio simples: se vivesse ainda a mãe brasileira do garoto, que se separou do pai nos EUA e veio morar com o menino, fosse ela viva, não teria dúvida em deixar a criança sob sua guarda no Brasil.

Mas tendo ela morrido aqui em nosso país, ninguém mais legítimo para deter a guarda do garoto do que o pai. Ele detém mais legitimidade que o padrasto e a avó brasileiros.

Pesou também na decisão, com certeza, o detalhe de que era deixar o menino com seu pai ou com seu padrasto. Nesse caso, era absolutamente claro que o direito de guarda sobre o garoto era do pai, cujo laço de consanguinidade era direto com o menino.

Mas não foi fácil decidir. A avó do garoto mostrava cartazes escritos por Sean em que ele escrevia que desejava permanecer no Brasil.

A vontade da criança, nesses casos, tem valor relativo, pode muito bem ser contestada.

Adivinha-se que o menino quisesse mesmo permanecer com o padrasto e a avó no Brasil, o vínculo sentimental que se instalou entre os três é indesmentível.

Mas e o pai, como ficaria se o menino permanecesse aqui? De mãos abanando?

Como, tão pronto a decisão do ministro presidente do STF foi divulgada, os EUA se apressaram em aprovar, no Senado, a extensão de um programa de isenção tarifária que favorece o Brasil e outros países, a avó do garoto declarou: “Não esperava que meu neto fosse trocado por um acordo econômico. O meu país, o país do Sean, já que ele é brasileiro nato, vendeu uma criança”.

Dito assim, parece que houve uma violência. Mas, embora não visível, se nota a sensação da avó e do padrasto de que era muito forte e talvez indestrutível o argumento do pai biológico. Essas questões são quase sempre resolvidas levando-se em conta o vínculo sanguíneo, embora sempre tenha a contestá-lo uma realidade sentimental pungente, exatamente como aconteceu neste caso.

Foi triste ver aquela criança embarcar no avião na quinta-feira com seu pai. Todos os que viram a cena pela televisão se indagavam se o coração do menino não estava partido, entre o afeto pela avó e pelo padrasto e o direito inquestionável do pai, pelo laço de sangue, de ter o seu filho junto de si.

O que será que se passava na mente e no coração de Sean?

Resta a esperança de que se entendam as partes para que o menino seja visitado em toda a vida pela avó e pelo padrasto.

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