sábado, 26 de dezembro de 2009



26 de dezembro de 2009 | N° 16197
CLÁUDIA LAITANO


Paternidade à brasileira

Histórias de família são sempre mais complexas do que as aparências sugerem. Nenhuma análise externa é capaz de esgotar todas as sutilezas de uma relação entre pais e filhos, marido e mulher, irmãos, avós. Quando a tragédia de uma família vira notícia de jornal, facilmente somos tentados a transformar pessoas reais, e portanto contraditórias, em personagens como os de novela – esquemáticos, previsíveis e movidos por sentimentos bons ou maus, certos ou errados.

Em um caso como o do menino Sean Goldman, que envolve não apenas duas famílias, mas dois países disputando a guarda de uma criança, multiplicaram-se as tolices ditas com a tranquilidade de quem comenta o último capítulo de Viver a Vida – emboladas, em alguns casos, com estapafúrdios argumentos nacionalistas de um lado e de outro e até com questões de comércio internacional (o Senado americano teria aprovado a extensão do programa de isenção tarifária que beneficia as exportações brasileiras depois que o Supremo Tribunal Federal determinou a entrega de Sean ao pai, o americano David Goldman, na última terça-feira).

Existem leis, costumes, palpites, mas nada disso, infelizmente, garante que uma criança seja mais feliz com uma família do que com a outra. Não sabemos que tipo de pai é o americano David Goldman ou que tipo de avó é a brasileira Silvana Bianchi. A única evidência inquestionável nessa história toda é o sofrimento de um menino que perdeu a mãe aos sete anos e aos nove enfrenta uma disputa familiar dilacerante e exageradamente pública.

Mas, para além de todo o sofrimento real de um menino de verdade, o episódio tem um significado simbólico: recolocar a figura paterna no lugar que é seu de direito. O que para algumas pessoas parece óbvio, que pai e mãe deveriam ter direitos iguais na hora de decidir o destino do filho, permanece, para outras, contaminado por uma visão culturalmente afetada que coloca o homem em uma posição de “sócio minoritário” – não apenas em relação à mãe, mas até mesmo em relação à avó materna.

Na carta aberta que dirigiu ao presidente Lula, Silvana Bianchi, em meio a todo o compreensível sofrimento da situação, revelou parte da visão de mundo que dá origem a disputas como essa: “Nossa formação valoriza o papel da mãe. Na ausência da mãe, a criação incumbe a avó. Assim é em todo o Brasil, de Norte a Sul, independentemente de raça, cor, religião ou classe social. É natural que estrangeiros, com formação diferente, não entendam esses sentimentos tão autenticamente brasileiros”.

Esses sentimentos “autenticamente brasileiros” estão mudando, felizmente. Muitas mulheres brasileiras gostariam que os pais lutassem pelo direito de criar seus filhos com a mesma paixão que se costuma associar às mães – que não abrem mão de seus filhos mesmo quando as circunstâncias sociais, políticas ou culturais são adversas.

Queremos os Pais da Praça de Maio, os pais que vão ao presídio visitar os filhos, os pais que passam a noite velando a saúde de uma criança, os pais que orientam, sustentam, apoiam – e, quando a família se dissolve, exigem a guarda compartilhada.

Se tantos homens, no Brasil, abandonam os filhos (o pai do presidente Lula é um caso típico), talvez seja porque o país ainda não tenha conseguido fundar uma paternidade “autenticamente brasileira”, baseada na convicção de que um homem e uma mulher são igualmente responsáveis pela criança que geram, e que isso é ao mesmo tempo um direito e um dever.

Não conheço David Goldman e não imagino como ele vai ajudar Sean a superar o trauma dessa disputa judicial, mas sei, sim, que tipo de pai ele é: o tipo que luta para ficar ao lado do filho.

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