quarta-feira, 9 de dezembro de 2009



09 de dezembro de 2009 | N° 16180
DAVID COIMBRA


Chope gelado e biquíni de lacinho

O Rio de Janeiro legou à Humanidade a invenção do motel. Não o motel americano de franja de estrada, onde os refugiados do cinema se homiziam. Não.

O Rio criou o motel para abrigar o amor clandestino, o amor sem casa própria, o amor de ocasião, às vezes o melhor do amor. Não é mesmo uma cidade maravilhosa, a que demonstra tamanho conhecimento das necessidades da alma e do corpo humanos?

No Rio também surgiram a tanga, o biquíni de lacinho e a emocionante depilação “à brasileira”.

O Rio inventou o chope gelado e, depois do chope gelado, evoluiu para o chope “garotinho”, servido num copo de quatro dedos de altura, que pode ser tomado em três goles, mantendo, assim, baixíssima a temperatura deste néctar dourado.

Getúlio Vargas ensinou um dia que o Rio é o tambor do Brasil. Políticos de sensibilidade, conhecedores da alma do brasileiro, compreenderam o que ele queria dizer. Entre eles, Brizola e Lula, o primeiro gaúcho, o segundo pernambucano, que investiram no Rio mais do que em qualquer outra cidade do país. Sábios, pois a cidade rica é São Paulo, mas a cidade cosmopolita é o Rio.

A vantagem do Rio é geográfica e histórica. Geográfica por se situar no centro-leste do país e por sua natureza tão bela quanto vasta – o Rio tem espaço para ser grande.

Histórica porque foi no Rio que a família real se estabeleceu há 201 anos, levando com ela a Civilização da Europa e o caráter tolerante do português. O português foi o único colonizador que realmente praticou a miscigenação com os povos colonizados.

Os portugueses não apenas faziam filhos nas índias americanas e nas negras africanas: casavam-se com elas. Não é por outro motivo que qualquer estrangeiro se sente em casa, quando chega ao Brasil. Porque, graças ao espírito português, no Brasil, e só no Brasil, alguém de fora é tratado como um local. Não por acaso, o Vasco, clube de portugueses, foi o primeiro entre os grandes do Brasil a aceitar negros no time.

O Rio é uma cidade eminentemente portuguesa. Donde a tolerância e a bonomia cariocas. No Rio, o torcedor ainda se diverte com o futebol, apesar da violência da sociedade. No Rio, o torcedor ainda brinca, ainda tem uma réstia de tolerância.

Como deve ser.

Por isso, saúdo a recuperação do futebol carioca. O Rio, além do motel, do chope gelado e do biquíni de lacinho, sempre deu ao Brasil o mais divertido que o futebol do Brasil urdiu.

Paixão inútil

Tempos atrás trabalhei em um jogo do Grêmio e, na saída, cometi o desatino de ir para casa a pé. Não havia avançado uma quadra quando fui acossado por quatro ou cinco torcedores que emergiram da penumbra de um bar aos berros, ameaçando me agredir. Salvaram-me outros tantos torcedores, que me cercaram, barraram os agressores e me acompanharam até um local seguro.

Desde então evito frequentar os estádios de Porto Alegre. Não vou ao Olímpico, não vou ao Beira-Rio. Mas fico a pensar: daqui a alguns anos, quando meu filhinho estiver mais crescido, como farei para levá-lo ao futebol? Não gostaria que ele ouvisse o pai sendo ofendido, não gostaria de expô-lo à violência. Talvez seja o caso de trabalhar para que ele despreze o futebol.

Posso, por isso, afirmar que sei como se sentiu o presidente do Grêmio, Duda Kroeff, durante o desembarque da delegação, domingo à noite, no Salgado Filho. O repórter Diogo Olivier contou o que ocorreu: sete ou oito rapagões de 18 ou 19 anos de idade, vestidos de camisas retrô do time e portando blackberries, insultaram e ameaçaram o presidente, que caminhava mudo ao lado de sua mulher, ela nervosa, os olhos marejados, apertando o braço do marido.

Será que estão orgulhosos, esses torcedores? Será que hoje eles se sentem pessoas melhores? Será que entenderiam se alguém lhes dissesse que, usada desta forma, a paixão deles é inútil? Provavelmente não. Mas talvez entendam que, agindo como agem, estão diminuindo não apenas o futebol, mas seus próprios clubes.

Porque eles podem até achar que Duda Kroeff é o pior dirigente do mundo (e não é), mas têm de admitir que ele é um homem íntegro, um gremista histórico que, obviamente, quer o bem do clube pelo qual afirmam torcer.

Creio que Duda Kroeff, depois dessa experiência, perderá um pouco do gosto pelo futebol. Eu, ao menos, perdi um tanto. E espero que meu filho não tenha nenhum.

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