quinta-feira, 31 de dezembro de 2009



31/12/2009 e 01/01/2010 | N° 16202
DAVID COIMBRA


O Passeio do Filósofo

Em 2010 queria conhecer Königsberg. Que nem é mais Königsberg, é Kaliningrado. Fica na Rússia, ficava na Alemanha, a guerra muda mapas.

Mal chegado a Königsberg, iria direto procurar certa rua da cidade, “O Passeio do Filósofo”. Chama-se assim em homenagem a Immanuel Kant, um dos maiores filósofos da História. Kant foi um Sócrates do século 18, seu sistema de pensamento pode ser usado até para saber como o brasileiro vai votar nas eleições deste novo ano.

Eu, quando passear pelo Passeio do Filósofo, o farei pontualmente às 15h30min, como Kant fazia todos os dias, todos, sem exceção. Era tão pontual em seu passeio, que as donas de casa acertavam os relógios ao vê-lo passar. Kant caminhava em silêncio, concentrado, respirando pelo nariz. Dizia que a respiração nasal evita resfriados – o homem era filósofo, não médico.

Em Königsberg, Kant nasceu, viveu sua longa vida e morreu. Nunca saiu de lá. Por duas vezes, quase se casou. Hesitou tanto, que ambas as pretendentes desistiram; uma se mudou da cidade e a outra arranjou um noivo mais determinado. O que foi uma sorte para a filosofia. Tivesse mulher e filhos, Kant não promoveria a revolução do pensamento que promoveu.

Sua obra-prima, Crítica da Razão Pura, ele só a lançou depois dos 50 anos de idade. É uma experiência densa ler este livro. Porque, no início, dói. O texto é intricado, cada sentença exige reflexão e Kant não facilita a vida do leitor com exemplos. Mas, após algum esforço, fiat lux!, tudo começa a se encaixar.

Só que continua a doer.

Numa redução tosca, grosseira e abusada de uma parte do pensamento de Kant, explico aqui que ele diz existirem duas formas de obter conhecimento: pela experiência, ou seja, a posteriori; e pela intuição, ou a priori.

O conhecimento intuitivo não é nenhum poder mágico ou sobre-humano. É uma das faculdades da inteligência. Vejo o meu filhinho de dois anos de idade usar esse poder todos os dias. Há coisas que ninguém disse para ele, que ele não viu na televisão, que lhe são inéditas, mas ele, simplesmente, “sabe”.

Os adultos também agem assim. Todos os dias. E é assim, mais com a intuição do que com a experiência, que tomam suas decisões na cabine indevassável. A reação do eleitor ao noticiário político é diversa da que espera o analista político. Donde as surpresas a cada apuração.

Por isso, duvido que o destino de Yeda já esteja traçado nas próximas eleições. Yeda vem sendo calcinada em seu governo, e de forma sistemática, e implacável, e incansável. Se construir para si uma imagem de vítima, incrustará uma cunha no nível intuitivo do eleitor. E aí entra no jogo o eleitor que não calcula, o eleitor silencioso, que tem vergonha de revelar como vota e que, ao votar, usa menos a reflexão e mais a intuição.

O eleitor kantiano, maioria entre os eleitores. Terá Yeda a sensibilidade e a humildade suficientes para comover esse eleitor? Não adianta ler Kant para descobrir. Há que se esperar o que escreverá 2010.

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