quarta-feira, 30 de dezembro de 2009


FERNANDO DE BARROS E SILVA

A marolinha e o navio

SÃO PAULO - O jornal "O Estado de S. Paulo" publicou na capa da sua edição do último domingo uma foto muito ilustrativa. Centenas de pessoas estão acomodadas ao redor de uma grande piscina. São famílias, homens, mulheres, crianças.

Trajes de banho, óculos escuros, drinques, celulares e máquinas fotográficas na mão, elas dirigem sua atenção sorridente a uma cena que a imagem não mostra: a legenda nos informa que todos ali acompanham um concurso de drag queen.

O conjunto lembra um pouco o Piscinão de Ramos, a praia artificial que Garotinho instalou na zona norte do Rio em 2001. Mas aqui estamos a bordo de um navio, num dos muitos cruzeiros pela costa brasileira que movimentam o turismo, cujo crescimento está ancorado na ascensão da classe C. No ano da marolinha, Lula levou o Piscinão de Ramos para passear em alto mar.

Trata-se, é claro, de uma boa notícia. O naviozão brega é um entre outros vários símbolos de inclusão que a realidade nos mostra. No auge do Real, sob Fernando Henrique, falava-se com orgulho do aumento do número de pessoas com acesso à dentadura. É só uma impressão, mas repare nas ruas se hoje não existe, entre os mais pobres, muita gente usando aparelho dentário.

TV de tela plana, celular com câmera, carro usado, passagem aérea mais barata que viagem de ônibus -são ícones de consumo da era Lula. A contrapartida são aeroportos cheios, trânsito demais nas ruas -o país que se descobre maior e mais apertado.

A velha classe média vê seus privilégios e sonhos de exclusividade frustrados pelos emergentes. Ao mesmo tempo, a violência urbana e a desagregação social em cidades como São Paulo e Rio projetam uma grande sombra de ameaças sobre as esperanças de todos.

Para onde vai afinal o navio brasileiro? A imagem sugere que estamos na rota da americanização sem escola. Muita gente ainda vai cair no mar, mas podia ser bem pior.

Nenhum comentário: