sábado, 19 de dezembro de 2009



19 de dezembro de 2009 | N° 16191
NILSON SOUZA


Quase Nada

Um homem passou nove meses e cinco dias preso na Penitenciária Industrial de Caxias do Sul por falhas burocráticas do sistema prisional. Embora tenha cometido um delito no passado, ele estava com a pena prescrita, mas ninguém atualizou o seu registro de foragido.

Como tem problemas mentais, acabou ficando em cana até que a juíza da cidade se desse conta da irregularidade. Não chega a ser um caso raro.

De vez em quando, aparece um inocente preso, alguém que foi para a cadeia no lugar do irmão ou que tem o mesmo nome de algum delinquente. Mesmo assim, muitas pessoas defendem a pena de morte, sem considerar que, ao autorizar a execução de um só inocente, igualam-se aos piores criminosos. Mas o tema desta crônica é outro, o apelido do homem que ficou preso por engano: Quase Nada.

Nada mais emblemático nestes tempos em que tantos enjeitados perambulam pelas ruas das grandes cidades como zumbis. O que é um ser humano que dorme sob marquises, revira cestos de lixo em busca de restos de alimentos e vive para o álcool e para as drogas?

Um quase nada. O apelido não surgiu por acaso. Assim como o infeliz prisioneiro caxiense, incontáveis criaturas com sinais de insanidade habitam esquinas e praças deste país, sem que se vislumbre uma saída digna para o brete em que a vida os arremessou.

É grande e dispersa a tribo dos Quase Nada. Eles já não habitam só as áreas centrais, atraídos pelo movimento e pela perspectiva de moedas e sobras. Estão nos bairros, nas vilas periféricas, nos grotões. Antes eram raridade, viravam atração: o louquinho da zona, o ermitão da cidadezinha, o alienado da rua.

Agora são dezenas, talvez milhares. Não sei se tem a ver com a legislação que abriu manicômios ou com a disseminação de drogas destruidoras de cérebros. Mas não tenho dúvida de que vem aumentando a tripulação desta verdadeira nau de insensatos à deriva.

Não quero ser catastrófico. Sempre há quem se preocupe com os marginalizados, pessoas que providenciam alimentos e agasalhos, organizações que tentam encaminhá-los para abrigos e até mesmo órgãos públicos bem-intencionados.

Mas não temos sido capazes de conter a expansão do problema. É como esta questão da degradação do planeta. Todos vemos o que está acontecendo, mas não conseguimos evitar. Aliás, outro dia alguém disse que não são as fábricas nem os automóveis que estão condenando a humanidade: é o crescimento populacional.

Somos muitos. E somos, também, quase nada.

Um gostoso sábado e um lindo fim de semana para vc

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