sábado, 26 de dezembro de 2009



O valor do patrimônio finito

O uso dos recursos da natureza começa a entrar na contabilidade real das companhias

Renata Moraes e Carlos Eduardo Freitas
Divulgação
CORREDORES ECOLÓGICOS



A Suzano planta vegetação nativa entre os eucaliptos de modo a resolver o problema da monocultura

Desde meados do século XVIII, com a máquina a vapor que extraía água das minas de ferro e carvão na aurora da Revolução Industrial, o crescimento econômico sempre esteve atrelado à transformação de recursos naturais em matéria-prima para a manufatura dos produtos.

A exploração indiscriminada desses recursos, no entanto, deixou de ser a solução para o avanço tecnológico para tornar-se um problema de ordem prática. Como o capital natural – os recursos obtidos na natureza e usados para a produção de bens de consumo – é esgotável, preservá-lo passou a ser prioridade para as empresas que dependem dele para sobreviver.

"O capitalismo produz riqueza a partir da estrutura disponível na natureza, que nem sempre pode ser reposta pelo homem", definiu o ambientalista americano Paul Hawken, um dos primeiros a tratar do tema na década de 90, em seu livro Capitalismo Natural, Criando a Próxima Revolução Industrial. "Destruir a natureza significa inviabilizar o desenvolvimento econômico da humanidade." Para ele, o capitalismo industrial é uma aberração temporária. "Não por ser capitalismo, evidentemente, mas por destruir sua fonte de recursos."

A preservação do capital natural virou regra nas empresas ecologicamente responsáveis. Todo novo empreendimento passa antes pelo crivo de seu potencial poder de destruição do estoque de recursos naturais. Tratá-los com respeito, e incluí-los no planejamento fi-nanceiro, é compulsório. Os limites para o desenvolvimento econômico neste século provavelmente serão ditados pela disponibilidade dos recursos naturais.

De que servirão as melhores tecnologias para a pesca sem os cardumes? Ou as refinarias sem o petróleo? O panorama é ruim. A Avaliação Ecossistêmica do Milênio, projeto coordenado pela Organização das Nações Unidas entre 2001 e 2005, revelou o péssimo estado em que se encontram as principais reservas de recursos naturais do planeta. Entre os 23 itens analisados – como qualidade do ar, oferta de alimentos, diversidade de remédios naturais, regulação hídrica e climática –, 60% estão sendo deteriorados.

Conservar o meio ambiente significa preservar a viabilidade do próprio negócio. Uma pesquisa realizada com executivos de 200 corporações associadas ao World Business Council for Sustainable Development, em 35 países, revelou que esses profissionais já de-monstram alguma preocupação com o impacto que as mudanças climáticas podem ter sobre seu negócio. De acordo com a pesquisa, 13% temem a escassez de matérias-primas e 17% se assustam com o impacto de novas regulamentações ambientais.

A longevidade de uma empresa está intimamente relacionada à sua capacidade técnica para usufruir a natureza sem esgotá-la. "O impacto ambiental deve ser incluído no cálculo do custo das operações", afirma Rachel Biderman, pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas. Um dos exemplos mais emblemáticos da filosofia do "preservar para produzir mais" é a Natura, a líder brasileira no mercado de cosméticos, fragrâncias e higiene pessoal.

Quando ela foi criada, há quarenta anos, seu modelo de gestão já associava crescimento econômico e consciência ambiental e social. Alguns anos mais tarde, essa passou a ser a marca indelével dos produtos vendidos pela empresa.

A rede de cosméticos O Boticário, fundada na década de 70, aposta na mesma direção e também é outra referência no uso responsável de insumos naturais. As espécies raras de flor selecionadas para a composição das fragrâncias são envolvidas por uma cúpula de vidro e os componentes do aroma captado são então analisados e reproduzidos sinteticamente.

Outra de suas estratégias para diminuir o impacto ambiental foi a redução do emprego de matérias naturais na composição dos produtos. Atualmente, 80% da matéria-prima que a empresa utiliza é de origem sintética, uma forma de reduzir os danos a espécies nativas.

Estar próximo da natureza impõe atenção. A Suzano, o principal fabricante de papel do país, adotou medidas de proteção ao capital natural que utiliza. Com um estoque de mais de 500 000 hectares de floresta, ela produz 2,5 milhões de toneladas de papel e celulose.

Para recuperar características da mata nativa, prejudicada pela monocultura de eucalipto (árvore que fornece matéria-prima para a produção de papel), a empresa criou corredores ecológicos. A técnica consiste em plantar vegetação nativa entre os eucaliptos. Com isso, o microclima local melhora, enquanto a evasão dos animais silvestres e o risco de pragas diminuem.

A empresa controla também a diversidade dos pássaros que habitam as planta-ções. As aves são um bom indicador de mudanças de temperatura e umidade que afetam a produção dos eucaliptos. "A qualidade do meio ambiente é um termômetro da saúde do nosso negócio", explica Luiz Cornacchioni, gerente de relações institucionais da Suzano. Trata-se, no jargão da contabilidade, de equiparar o capital natural aos outros três de qualquer empresa – o financeiro, o humano e o imobilizado.

A face mais visível do cuidado com o capital natural é a preocupação com os recursos extraídos da natureza, como os minérios (veja o quadro abaixo). Mas cresce o interesse pelos chamados "serviços ambientais", como a água das nascentes, as chuvas e a estabilidade climática produzida pelas florestas.

Atribui-se, hoje, valor a isso, de modo que o preço dos produtos embuta o custo desses serviços. A receita amealhada pelos fabricantes que bebem dessas fontes é usada para preservar o ambiente. Um exemplo é a cobrança pelo uso da água, já em vigor em algumas regiões do Brasil.

Nessa mesma direção, brotou uma nova expressão – a "externalidade", no jargão da economia. Isso ocorre quando, devido a imperfeições do mercado, uma empresa deixa de considerar em seus custos certos fatores sem preço definido nem propriedade clara, e eles acabam transferidos para toda a sociedade, ou mesmo para as futuras gerações. Funciona assim com o lixo.

Desde que os clientes estejam dispostos a pagar pelo custo da embalagem, o fato de a mercadoria implicar maior ou menor produção de lixo não acarreta impacto algum para a economia do fabricante, e os gastos com resíduos – embalagens usadas, por exemplo – são transportados para o bolso do consumidor.

No Uruguai, já existem projetos de lei que taxam os fabricantes cujas peças, depois de usadas, produzem detritos, anulando assim a externalidade. São as novas regras do mercado ético.
Lee Jin-Man/AP
VAI ACABAR?



Minerais como o tântalo, usado em celulares, ainda têm um século de sobrevida

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