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sábado, 12 de dezembro de 2009
Por que nós os amamos
Mesmo que, em troca, eles apenas nos suportem. É difícil resistir ao encanto dos gatos, ao vivo ou no YouTube. E existe até uma explicação científica: eles usam o "fator fofura" para nos dominar
Suzana Villaverde - Jill Johnson/divulgação
Quem entrar no YouTube e digitar "gatinhos" terá material suficiente para passar umas sete vidas assistindo a vídeos de aventuras protagonizadas pelos seres mais graciosos do planeta. Nem os adoráveis cães, os mais populares animais de estimação, nem os poderosos leões, o símbolo universal da vida selvagem (embora sejam, basicamente, uns gatos grandes), competem com os felinos domésticos em matéria de acessos.
Conhecidos pelo distanciamento filosófico que mantêm em relação ao mundo dos humanos, os bichanos têm se mostrado celebridades bem acessíveis: tocam piano, enfiam-se em lugares impossíveis, atacam impressoras e demais objetos semoventes com total naturalidade diante das câmeras.
Com a proliferação dos vídeos e dos admiradores – no Brasil, são 16 milhões de bichanos de estimação –, o negócio de gatos também exibe fôlego. Uma de suas variantes mais bizarras, embora igualmente irresistível, é a dos gatos de peruca: você pega uma cabeleira falsa, implora que o bicho condescenda em participar e, nos poucos segundos que se passam antes que o acessório voe no ar, fotografa-o.
A americana Julie Jackson, 45 anos, foi pioneira do ramo. Há dois anos, criou um site de fotos de gatos de peruca em cores engraçadas. Hoje, vender perucas para gatos é fonte de renda. "Sempre gostei de fotografar gatos. As perucas vieram naturalmente, para ficar mais engraçado", diz Julie, que comercializa as peruquinhas a 50 dólares cada uma e tamanho único ("tamanho de gato"). Nesta época do ano, com o Natal chegando, as vendas aumentam.
"Gatos são vaidosos e adoram saber que estão lindos. Mas nem todos aceitam a brincadeira." Dos que aceitaram, 25 foram selecionados como modelos para o livro Glamourpuss.
"Três ficaram de fora porque não entenderam a ideia", brinca Julie, dona de dois gatos com personalidades opostas: Boone, exibido, está na capa do livro e também dentro, de peruca encaracolada e óculos quadrados; já Tito "não quis aparecer por ser muito tímido". A propósito: Chicken, o carismático bichano de peruca rosa, com presença comparável à de uma Naomi Campbell, já não está entre nós – foi para o céu felino antes mesmo do lançamento do livro.
Os gatos fascinam os humanos, e não é apenas pela aura de mistério (ou, na definição de Jorge Luis Borges: "Por obra indecifrável de um decreto / divino, te buscamos inutilmente / mais remoto que o Ganges e o poente / tua é a solidão, teu é o segredo").
Com olhos grandes e puxados, cara pequena, focinho achatado e corpo macio, eles se encaixam num conjunto de características chamado de "esquema bebê" pelo biólogo austríaco e prêmio Nobel Konrad Lorenz, que nos anos 40 traçou e explicou pela primeira vez a semelhança.
O "fator fofura", como é chamado, é formado por um conjunto de feições que lembram as de um bebê e que, por ditames autoexplicativos da sobrevivência da espécie, apareça onde aparecer, sempre desperta nos humanos imediata sensação de afeto e impulsos protetores.
"O cérebro humano responde de maneira positiva a essas feições. Estejam elas num bebê, num gato ou num filhote de panda, todos vão estimular proteção e cuidados", explica a bióloga Melanie Glocker, especialista em neurociência social do Instituto de Biologia Comportamental da Universidade de Münster, na Alemanha. Por desencadear reações irresistíveis, o "fator fofura" desponta em toda parte (inclusive naquelas que envolvem o uso de cartões de crédito) e vai além de um simples conjunto de feições.
"Qualquer objeto ou mesmo uma palavra fofinha ativa o sistema de recompensa do cérebro que libera dopamina e imediatamente nos faz sentir bem. É uma felicidade instantânea", diz a bióloga alemã. É esse princípio que comanda as reações positivas diante de coisinhas miúdas (e caras) como o Beetle, da Volkswagen, ou o 500, da Fiat.
Em nenhum outro país o apego à fofurice chegou tão longe quanto no Japão de Pokémon e Hello Kitty (esta, por sinal, uma gatinha). O conceito de kawaii, nome dado a tudo o que é fofo e meigo, é a mola propulsora da inesgotável cultura pop japonesa.
"Quando a pessoa se torna adulta no Japão, existe muita pressão social. A cultura kawaii, o fascínio pelas coisas fofas, as mascotes, tudo o que é colorido, permite esquecer um pouco a realidade e prolongar a infância", avalia a bailarina Akemi Matsuda, que morou no Japão até os 18 e hoje vive em São Paulo, sempre guiada pela fofurice.
Nada mais normal, portanto, que felinos japoneses dominem o YouTube. Maru, o gato que fica entalado numa embalagem de latas de refrigerante, entre outras estripulias, tem mais de 100 vídeos. E seu próprio site, é claro.
É difícil resistir ao ser descrito como "pequeno imperador sem orbe, conquistador sem pátria, mínimo tigre de salão, nupcial sultão do céu das telhas eróticas", nas fascinadas palavras do poeta chileno Pablo Neruda em sua Ode ao Gato, citada na ponta da língua por todos os felinomaníacos. A elegância, a agilidade e a capacidade de se meter em todo tipo de situação absurda – e sair dela com ar de solene superioridade – alimentam o star power dos gatos.
"São bichos extremamente curiosos que desenvolvem várias manias e, por isso, são tão engraçados de observar", diz a veterinária Luciana Deschamps, dona de uma clínica especializada em felinos e anfitriã, em casa, de nove bichanos. "Gatos dificilmente aprendem truques, porque são muito independentes. Se fazem alguma coisa, é porque querem", explica. A quem assiste, resta se render e achá-los a coisa mais fofa do mundo.
Estrelas do YouTube
Alguns dos vídeos mais populares protagonizados por felinos
Fotos divulgação
A PIANISTA
O dono diz que não é truque – desde pequenininha, Nora "toca" piano quase todo dia. Já foi vista por 16 milhões de pessoas
O EMBRULHADO
Maru tem mania de se enfiar em embalagens. Foi visto por 5,4 milhões
O SONOLENTO
Durante 28 segundos, tudo o que se vê é um gatinho persa pegando no sono. Visto por 9,5 milhões de pessoas
O SEDENTO
Woody bebe água na torneira aberta e ao mesmo tempo faz o impensável: toma uma ducha. Visto por 1,5 milhão de pessoas
O MANHOSO
Quando o cafuné para, ele abre as patas pedindo mais. Visto por 10 milhões
PROFESSOR SABICHANO
Freud disse que os donos de gatos os escolhem na tentativa inconsciente de adquirir suas características. Aqui, dez coisas que podemos aprender no convívio com eles, apontadas pela veterinária e gatófila Luciana Deschamps
1 Relaxar "Gatos adoram uma preguiça e sabem aproveitar cada minuto em que ficam sem fazer nada"
2 Aproveitar o momento "Gatos fazem coisas divertidas mesmo quando não têm plateia"
3 Explorar "Eles querem saber tudo, ver tudo, mexer em tudo, e assim descobrem o que preferem"
4 Ter autossuficiência "Para o gato, ser independente não significa amar menos o dono, mas apenas não ser radicalmente dependente dele"
5 Mover-se "Não há andar mais elegante no reino animal que o jeito silencioso e suave dos felinos"
6 Alongar-se "Saber se esticar é fundamental para quem quer desbravar o espaço ao seu redor"
7 Comer com prazer "Gatos aproveitam ao máximo o alimento. Cheiram, brincam e só depois comem. É o gosto de experimentar coisas novas"
8 Ocupar espaços "Por que se deitar num cantinho, se você pode ocupar a cama inteira?"
9 Observar "Humanos acham que eles não prestam atenção, mas quase tudo o que os gatos aprendem é observando os donos"
10 ter vontade própria "O gato não se submete. Deve pensar: ‘Pobre bípede, acha que vou fazer isso só porque ele quer’. E não faz"
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