Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
MARCELO COELHO
Tempo de usar chapéu
O cruel não é que me apontem a calvície, mas que sugiram que leve um chapeuzinho à praia
NO FUNDO, toda essa história de Réveillon me parece um pouco mal pensada, pelo menos no Brasil. Quando a paisagem está coberta de neve, como nos Estados Unidos ou na Europa, o final do ano faz mais sentido.
Em plena dormência do inverno, é possível projetar um futuro, vá lá, de renovação e de esperança, para daqui a algum tempo. Espera-se. Entre nós, o fim do ano coincide com o auge do calor; tudo se aplasta num presente a pino.
Mais um ano! Tem razão Rubem Alves, numa coluna publicada há tempos no jornal: em vez de "mais um ano", deveríamos dizer "menos um ano".
Acrescento que, neste final de 2009, o "ano a menos" trouxe para mim uma novidade correlata -a do "cabelo a menos".
Sim, o sol deste dezembro iluminou, como nunca, minha pobre calota polar, na qual algumas mechas brancas e castanhas vão se assemelhando aos restos de geleiras tênues que, nas fotos das revistas, atestam o progresso do efeito estufa.
O calor, neste verão, continua o mesmo, enquanto na minha memória ecoa o velho comercial de xampu: "Mas os meus cabelos... quanta diferença!". O resultado de alguns dias na praia não se fez esperar. A cor puríssima de um chiclete de morango despontou, com ironias de segunda infância, no meu couro cabeludo -que não mais o é.
Um amigo, que não me via há algum tempo, enunciou a neutra verdade: "Finalmente, você está ficando careca." Não havia malevolência na observação. Tratava-se, principalmente, de uma questão de justiça; passando dos 50 anos, é certo que isso aconteça.
O que não é certo é ficar com o cocoruto cor-de-rosa, numa doçura de crepúsculo napolitano, em pleno verão paulista. E o cruel não é que me apontem a calvície, mas sim que, no caminho da praia, façam-me a sugestão acachapante: "Não é melhor levar um chapeuzinho"?
Não, mil vezes não. A começar pela escolha do modelo. Não me conformo com nenhum. O boné branco de beisebol, a meu ver, serve apenas aos extremos da idade humana: o início revoltado da adolescência (quando convém invertê-lo na direção da nuca) e o estado terminal da senilidade sorridente, conduzida pelo enfermeiro, quando saudamos o salva-vidas, o vendedor de biscoitos de polvilho, o homem do quiosque, com os gestos vagos e simpáticos que nos permite a hemiplegia.
Quanto ao panamá, o solene chapelão de palha clara que anda na moda entre os artistas, na minha opinião só alguma razão de saúde o justifica. Quem o usa por mera boniteza, ainda mais em ambientes fechados, desperta-me total desconfiança; adicione-se um charuto, e o sujeito está pronto a pontificar sobre qualquer assunto.
A coisa começou, acho, com Tom Jobim; aquelas entrevistas sobre passarinhos e árvores, com o panamá na cabeça, marcam sem dúvida o início da decadência do mestre. Excluído, sem mais comentário, o chapéu texano, sobra então a alternativa dolorosa do chapeuzinho de praia: abas curtas, pano mole, enterrado na cabeça, como se o seu usuário quisesse esconder o próprio rosto -mas o modelo é pequeno demais para esse fim.
Lembro-me de umas férias no Rio de Janeiro, entre o primeiro e o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. A economia estava à beira do colapso; o dólar explodia, e os juros iam atrás. Presidentes do Banco Central pulavam do cargo como pipocas.
Eu estava andando pelo calçadão, quando uma figura de ar apatetado apareceu na minha frente. Carregava braçadas de jornais; os óculos grossos e o sorriso fixo, causado pela ofuscante luz da manhã, faziam-no igual ao Mister Magoo.
Era um ex-ministro da Fazenda. Cobria-lhe a cabeça privilegiada um chapéu de praia redondinho, de pano azul celeste. Tive vontade de assumir o papel do "cidadão indignado" (figura comum nas imediações do Arpoador e de Copacabana) e interpelá-lo, dedo em riste, pela confusão reinante. Contive-me; alguém já devia ter feito isso durante o cooper do pobre financista.
Passou a crise, passou o ex-ministro, passou o tempo, ficou a memória do ridículo chapeuzinho. Chega o aquecimento global, chega o verão, chega 2010, e chega a hora do meu chapeuzinho também, a proteger minha cabeça desmatada.
Virão depois as meias de helanca com o tênis Rainha e a bengala, útil para fazer caminhadas e ameaçar cabeças de ex-ministros. Pensando bem, era o que já me faltava, uns bons anos atrás.
coelhofsp@uol.com.br
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