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terça-feira, 29 de dezembro de 2009
29 de dezembro de 2009 | N° 16200
CLÁUDIO MORENO
O pai e o filho
Se pudesse escolher, Ulisses não teria ido a Troia com o exército grego. Partir para a Ásia, bem agora que Zeus tinha abençoado seu pequeno reino com um ano de fartura?
Os rebanhos da ilha tinham se multiplicado, as videiras prometiam vinho abundante e os figos estavam mais doces do que nunca - e Penélope, sua rainha, tinha lhe dado um filho, o pequeno Telêmaco, que viera encher os seus dias com uma alegria e uma ternura até então desconhecidas. Ulisses sentiu-se o mais feliz dos mortais, mas sabia que os ventos da guerra, que agitavam a Grécia inteira, logo viriam alcançá-lo.
Por isso, quando vieram buscá-lo, resolveu resistir; mesmo que seu renome ficasse abalado, não ia sair de Ítaca. Um oráculo havia predito que a luta ia durar muitos anos, e não havia compromisso de honra que o fizesse abrir mão de ver seu filho crescer, de lhe ensinar tudo o que um menino precisa aprender para se tornar um homem – assim como Laertes, seu pai, havia feito com ele.
A saída era fingir-se de louco: vestiu roupas esfarrapadas, atrelou ao arado um boi e um jumento, e se pôs a lavrar o campo com aquela junta esquisita, enchendo os sulcos com sal, em vez de semente.
Ao vê-lo naquele estado, os emissários já se dispunham a voltar ao navio quando um deles, desconfiando da farsa, tirou o bebê dos braços da mãe e o colocou no solo, a poucos metros do arado. Como imaginava, Ulisses pôs toda sua força nas rédeas e conseguiu desviar os animais do caminho do bebê - e assim, por amor ao menino, para protegê-lo, traiu seu disfarce, reconheceu sua desonra e foi obrigado a cumprir seu juramento de lealdade para com os outros chefes.
Perdeu dez longos anos em Troia, e mais outros dez no caminho de volta - mas em nenhum momento, nesses vinte anos de ausência, Telêmaco ficou sem pai; ao contrário, cresceu com orgulho de ser o filho de um homem que o amava tanto que, por ele, tinha se disposto a enfrentar a morte.
Esta história ancestral de um pai que procura o filho – e vice-versa – vem tocar uma corda muito sensível na alma masculina, e não admira que a maior parte dos homens se posicionou, no caso do menino americano, a favor do pai e do direito que ele tem de criar o pequeno Sean.
É mais do que humano o desespero da avó brasileira, que tem no neto a lembrança da filha que perdeu – mas, quando a tristeza diminuir, alguém deve lembrar-lhe que a verdadeira, a boa mãe da história de Salomão foi aquela que, para salvar o seu filho, estava disposta a deixá-lo ir embora.
Essa é a dinâmica da vida: o médico corta o cordão umbilical para que o bebê possa viver, e aquilo que ele faz com o corpo, o pai vai fazer com o espírito.
E que a vovó não se preocupe: Sean, a quem ela deu tanto amor, não vai deixar de voltar para abraçá-la com aquele sorriso em que talvez ela enxergue, mais uma vez, o sorriso da filha querida. Ele continua seu neto - mas, agora, como um homenzinho.
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