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quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
24/12/2009 e 25/12/2009 | N° 16196
L. F. VERISSIMO
Quem falou pelas vacas?
É difícil tratar com a seriedade que ela merece, uma questão como os efeitos da flatulência na biosfera. E, no entanto, pum de vaca é responsável por boa parte da emissão de gases que ameaçam nosso equilíbrio ecológico e provocam o aquecimento global.
Há mesmo quem diga que o pum é a principal contribuição de países como o Brasil, com seus grandes rebanhos bovinos e ovinos, para o problema. Mas falou-se pouco em flatulência em Copenhague.
E ninguém falou pelos bovinos e ovinos. Se tivessem um porta-voz atuante na reunião, as vacas poderiam ter dado um subsídio valioso à defesa dos países ricos que resistem a mudanças nos seus hábitos poluidores. A defesa das vacas seria a Natureza. É da sua natureza darem puns.
Não podem se conter. Se pudessem controlar a própria flatulência, não seriam vacas, seriam damas da sociedade. Da mesma maneira, é da natureza dos países industrializados sacrificarem tudo à sua volta, inclusive a própria saúde, por índices sempre maiores de crescimento e lucro. Se contrariassem a sua natureza, não seriam o que são.
Vacas e países desenvolvidos teriam o mesmo argumento em Copenhague: não poluímos por falta de caráter, mas porque é assim que fomos feitos.
Tem gente que não acredita no tal aquecimento global provocado pelo homem e a vaca. Há os que dizem que não há provas científicas suficientes ou convincentes disto e há os que simplesmente negam as provas, como fazem os que negam o Holocausto ou a evolução.
Mas alguns ecocéticos surpreendem com sua posição. Por exemplo: Alexander Cockburn, que escreve regularmente na revista The Nation e diz que toda essa campanha contra as emanações de combustíveis fósseis que causariam o efeito estufa tem por trás o lóbi da indústria nuclear, pois o que está em jogo é quem dominará a energia do planeta no futuro.
Como todas as teorias conspiratórias, esta depende, para ser aceita, de uma certa suspensão do bom senso. Cockburn tem sólidas credenciais como crítico do capitalismo e seus detritos e em nada se parece com fantasiosos negadores do genocídio nazista ou criacionistas anti-Darwin, mas para acreditar na sua tese é preciso ignorar todas as evidências de mudança climática que, literalmente, caem sobre a nossa cabeça, e atribuir ao lóbi nuclear um poder colossal.
De qualquer maneira, a dúvida está no ar. Junto com outros poluentes.
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