sábado, 12 de dezembro de 2009



12 de dezembro de 2009 | N° 16183
CLÁUDIA LAITANO


A marca da maldade

Não sei onde ele mora, se tem irmãos ou como são seus pais. Tudo o que eu sei dele é o que as colegas contam, e o que elas contam é o que acontece na escola. Para as meninas, o colega de classe é um tormento manejável.

Chama as gordinhas de baleias, as magrelas de anoréxicas, as estudiosas de CDF, mas elas conseguem lidar com o incômodo de forma razoável, aliando-se e protegendo-se umas às outras.

Unidas, as meninas se transformam em uma espécie de entidade quase imbatível. Quando o colega as surpreende em um dia ruim, ficam chateadas, algumas choram, mas a camaradagem das amigas e, mais que isso, a facilidade com que se comunicam, tanto na escola quanto em casa, tendem a amenizar os efeitos da provocação.

(As muito tímidas, infelizmente, não têm essa sorte.)

O teatro social coloca os meninos em uma posição mais frágil em um ambiente contaminado por manifestações de perversidade desse tipo. É mais rara entre eles a percepção de que uma palavra, um apelido ou uma brincadeira podem ser tão violentos quanto um tapa ou um pontapé.

Uma covardia física talvez despertasse em parte do grupo o sentido de proteção do mais fraco. Mas não lhes ocorre que quando o colega chama o amigo de “bicha”, de forma constante e cansativa, o tormento pode ser tão ou mais doloroso.

O menino cruel tem terreno livre para perseguir sua vítima sem que os amigos façam nada para defendê-la – como se um dos rituais da prova de masculinidade fosse exatamente este, suportar as provocações sozinho, em silêncio, ou resolvê-las com algum tipo de violência. De vez em quando, o menino ofendido chora no banheiro. Volta para a sala de aula com os olhos vermelhos, mas apenas as meninas parecem perceber – e se preocupar com ele.

Histórias como essa se repetem todos os dias, em escolas ricas e pobres, com crianças de todos os tipos de famílias.

Em conjunto com o que elas aprendem com os pais, essas primeiras experiências de interação social começam a moldar os padrões de relacionamento que terão na vida adulta – a maneira como vão dominar, ou não, a agressividade e a frustração, o sentido de grupo, o convívio civilizado com a diferença, a construção da noção de certo e errado, o limite entre a brincadeira e a maldade.

Mas nem os pais mais presentes na vida dos filhos conseguem ter toda a dimensão do jogo de poderes e micropoderes que se estabelece em uma sala de aula, empurrando uns para o papel de vítima e outros para o de vilão.

Na escola, a criança constrói uma nova identidade, separada da família e sujeita a outras circunstâncias, e os pais devem aprender a respeitar essa independência – sem perder de vista que a maneira como os filhos se comportam ali, as brincadeiras que fazem e as pequenas crueldades que infligem são um recado eloquente sobre o que vai bem, ou não, dentro de casa.

Um menino cruel não será necessariamente um crápula na vida adulta. Se a família e a escola falharem de todas as formas possíveis, ainda resta o imponderável e sua maravilhosa capacidade de corrigir rotas e forjar destinos inesperados.

Mas, se a família, a escola e o destino não ajudarem, esse menino pode vir a se transformar em um homem incapaz de se controlar ou de perceber o sofrimento alheio – e não consigo imaginar uma maldição maior para os pais do que ver o filho se transformar em um adulto desse tipo.

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