quarta-feira, 16 de dezembro de 2009



16 de dezembro de 2009 | N° 16188
PAULO SANT’ANA


Linguagem do povo

O presidente Lula da Silva escandalizou certos círculos oficiosos ao declarar que queria tirar o povo da merda.

Foi criticado por mandar às favas o protocolo, o respeito e a majestade do cargo e pronunciar essa palavra considerada de baixo calão.

Mas se deve levar em conta que nenhum prejuízo teve Lula ao proferir a palavra escatológica.

Enquanto que, na zona de interesse do presidente da República, que é a de manter os altos índices de popularidade que desfruta nas pesquisas, foi grande o lucro de Lula, o povão adora quando ele fala a linguagem do povo, sem rebuços, sem tergiversações.

Não há forma mais apropriada de definir-se o povo brasileiro senão de que ele está na merda.

Não pode ser outra a visão de quem fica sabendo que, malgrado todos os investimentos governamentais no setor de saneamento básico, somente daqui a 66 anos o Brasil terá conseguido estender os serviços de esgoto a toda a população.

Hoje, um número aterrorizante, apenas 42% da população brasileira é atendida por coleta de esgoto.

Literalmente, como Lula afirmou, o povo está na merda.

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Quando se sabe que na Roma antiga dos Césares, há mais de 2 mil anos, a capital do império era dotada de abastecimento de água e coleta de esgotos, pode-se medir daí o nosso subdesenvolvimento.

Perto de Roma, que tinha na época do império uma população em torno de 1 milhão de habitantes, nós estamos vivendo ainda a época das cavernas, apesar dos contrastes: o Brasil já está atingindo quase a marca de um telefone celular para cada habitante, enquanto alastra-se entre a população o uso espantoso de computadores.

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Mas não é para os que usam computadores e quase não é para quem possui celulares que o presidente Lula fala. Ele fala para os 58% dos brasileiros que não possuem esgoto em suas habitações.

Por sinal, foi para defender e proteger esses despossuídos que ele foi eleito, daí o Bolsa-Família.

E não teria altos índices de popularidade nas pesquisas um presidente que falasse para as elites e tivesse o cuidado de não pronunciar palavras de baixo calão.

Assim, falando a linguagem que o povo fala nas ruas, Lula conquista o povo e pode ser que consiga mesmo eleger o seu sucessor.

Para o povão, pegou bem e soou amavelmente que o presidente estivesse preocupado em tirar o povo da merda.

E isso é o que interessa, enfim, para um governo popular.

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Pois é preciso que se entenda que esse povo que não tem esgotos – isso é que ninguém entende –, no entanto, tem o direito a voto. Esses quase 100 milhões que não têm esgoto votam, elegeram Lula e são contabilizados nas pesquisas de popularidade do presidente.

Daí o milagre de comunicação de Lula, que espanta a todos os observadores.

Um presidente que usa a linguagem do esgoto para quem não tem esgoto está fadado mesmo à consagração.

Se Lula tivesse dito que queria tirar o povo dos excrementos ou dos coliformes fecais, só a elite o entenderia.

Já merda, todo mundo entendeu.

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