sexta-feira, 7 de agosto de 2009


FERNANDO GABEIRA

Uma flor de pessoa

RIO DE JANEIRO - Durante anos morei em Brasília no edifício Burle Marx. Ver aquele nome atenuava uma certa sensação de tristeza com o Brasil.

Graça a uma outra grande figura, Luis Carta, tive a oportunidade de conviver alguns dias com Burle Marx. Junto com um fotógrafo alemão, preparei uma edição da revista "Vogue" que saiu com este título do artigo.

Naquela época, eram dias de convivência e de pesquisa para escrever um perfil. Foram vários almoços no sítio em Mangaratiba. O cozinheiro de Burle Marx era tão bom que abriu um restaurante na mesma área.

A primeira coisa que se notava no cotidiano de Burle Marx era a sua dedicação à pintura. Só depois é que se falava sobre paisagismo. E, ao final dos almoços, ele cantava trechos de ópera com uma voz da qual também se orgulhava.

Fizemos juntos uma viagem a Belo Horizonte para ver como ele planejava uma praça e, sobretudo, como acompanhava em cada detalhe a sua construção.

Fisicamente, Burle Marx me lembrava um pouco Noel Nutels, que admirava na juventude. Conheci Nutels no aeroporto de Belém, viajamos juntos e nunca o esqueci.

Burle Marx mostrou as flores de seu sítio, contou a história de cada uma e muitas levam seu nome. Concentramos nosso trabalho na diversidade de seu talento e esquecemos um pouco as flores. É hora de voltar ao sítio.

Em Brasília, Burle Marx não é apenas o nome de um prédio, mas o arquiteto de seus jardins. Sem ele, a cidade seria dura. Sem ele, não apenas a capital mas o país seria diferente.

Com voos saindo do Santos Dumont, é possível transitar do Rio para Brasília em paisagens de Burle Marx. Pena que, ao fechar os olhos, não o ouça mais cantando seus trechos de ópera, mas discursos raivosos e lamentos por um Brasil que ainda não floresceu.

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