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sábado, 15 de agosto de 2009
As 1 001 utilidades de uma marca
O caso da Bombril é um exemplo de como uma marca sólida
pode salvar uma empresa até das mais profundas crises
Cíntia Borsato - Lailson Santos
TENTATIVA DE LIMPAR A CASA
Ronaldo Ferreira, hoje no comando: corte de custos e executivos no lugar dos amigos
A Bombril está comemorando: registrou um lucro de 84 milhões de reais no primeiro semestre de 2009. Não se trata de um resultado como qualquer outro. É a primeira boa notícia em muitos anos - e o primeiro sinal palpável de que uma crise que, muitos apostavam, obrigaria a empresa a fechar as portas pode estar se revertendo.
O processo de decadência começou na década de 80 - mas atingiu seu auge entre 2002 e 2006, quando a Bombril chegou a paralisar a produção por falta de dinheiro para comprar matéria-prima. Nesse longo período, sucederam-se episódios negativos, como a guerra por poder travada entre os herdeiros, que chegaram a trocar socos e xingamentos nos corredores da fábrica de São Bernardo do Campo, desvios de dinheiro e uma coleção de fraudes financeiras.
De 2006 para cá, teve início uma reestruturação radical, capitaneada por um dos três herdeiros, o economista Ronaldo Sampaio Ferreira, o único que ainda está lá. Nos quadros de administração, parentes e amigos foram substituídos por executivos tarimbados, que renegociaram uma dívida astronômica, frearam gastos e enxugaram custos fixos, além de trazer à Bombril novas práticas de gestão e governança corporativa.
Certamente, a empresa não teria permanecido viva se não estivesse apoiada numa marca tão forte, criada pelo comerciante Roberto Sampaio Ferreira em 1948 e até hoje sinônimo do produto que é, de longe, seu carro-chefe: a lã de aço. Diz o consultor René Werner: "Por mais trapalhadas que houvesse na empresa, elas nunca respingaram na marca".
Divulgação
O MESMO ROSTO
Carlos Moreno, na década de 70: 31 anos no ar
Marcas valiosas ajudam a explicar a longevidade de algumas das mais antigas empresas brasileiras, como, por exemplo, Hering e Lupo (veja reportagem). Mas nenhuma marca nacional, seja qual for o setor de atuação da companhia, é mais sólida do que a Bombril. Isso se vê em números. Suas lãs de aço chegam a 80% das casas brasileiras, um recorde para qualquer setor.
Trata-se ainda do segundo artigo de limpeza mais vendido no país, atrás apenas do sabão em pó Omo (da multinacional Unilever). Em nenhum outro lugar do mundo a lã de aço foi tão assimilada quanto no Brasil, que concentra dois terços do mercado mundial desse produto. A razão é cultural. Os brasileiros revelam um apreço pelo brilho na limpeza como ninguém mais, segundo mostram as pesquisas.
Além disso, conferiram vários usos à tal lã, como afixá-la à antena da televisão para melhorar a imagem e até servir de adubo para plantas. Nos anos 70, um produto parecido surgiu no Brasil - mas vinha com detergente, tal qual nos Estados Unidos, e não vingou. A antiga versão já havia sido incorporada aos hábitos locais. Conclui Alexandre Zogbi, da consultoria Interbrand: "A Bombril é um daqueles casos raros em que um vínculo emocional liga as pessoas a um produto - e à sua marca".
No ápice da crise, em 2003, foi justamente a marca que salvou a empresa do pior. Sem crédito na praça e com 570 títulos protestados, a Bombril precisou demitir 30% de seus funcionários e paralisou a produção. "Só se via gente ociosa.
O silêncio das máquinas era o maior sinal da decadência", recorda-se a gerente de novos produtos, Adelice de Moraes, há 33 anos lá. Nesse tempo, os executivos da Bombril batiam à porta das grandes redes de supermercados e atacadistas, implorando para que fizessem compras antecipadas e mais: que pagassem à vista. Em troca, concediam-lhes descontos graúdos.
Havia um detalhe peculiar nessa transação: com prateleiras abarrotadas de Bombril, os supermercados não colocavam à venda a nova mercadoria. Ela ficava armazenada em depósitos. Por que, então, essas redes seguiam comprando mais e mais lãs de aço? "Para manter a Bombril de pé", explica Hélio Mariz de Carvalho, da consultoria FutureBrand, que acompanhou o caso. "Se a empresa morresse, provavelmente desapareceria com ela uma marca que atrai gente às lojas."
Lailson Santos
MUDANÇAS NA FÁBRICA
Vendendo menos lã de aço, a saída é diversificar
A história da dívida da Bombril - de 450 milhões de reais só de impostos devidos à União, mais a quantia relativa a multas por operações financeiras irregulares, cujo valor ainda se discute na Justiça - remete a meados dos anos 80. Foi quando o governo federal incluiu a lã de aço na cesta básica. Poderia ter sido bom, caso o preço não fosse tabelado e tão baixo.
Para piorar, o valor do produto ainda se depreciava com a inflação de dois dígitos, e a empresa perdia dinheiro, o que se agravou nos anos seguintes, aí por má administração. Nesse contexto, o italiano Sergio Cragnotti, então dono da Cirio, até hoje uma das marcas mais conhecidas do ramo de alimentos na Europa, comprou a Bombril dos irmãos Ferreira. A gestão do empresário italiano foi decisiva para levar a Bombril ao fundo do poço.
Ele liderou uma série de transações financeiras duvidosas. Por algumas delas, é acusado de lavagem de dinheiro. Cragnotti retirava dinheiro da Bombril e com ele simulava, por meio de contratos falsos, comprar títulos da dívida americana. Numa outra operação, fez ainda a Bombril arrematar a Cirio - fraude em que o comprador e o vendedor são a mesma pessoa, mais conhecida no mercado como "Zé com Zé".
Mesmo assim, a Bombril continuou, por um bom tempo, a obter crédito e a captar dinheiro no mercado de ações, no qual havia ingressado em 1984. "Isso só foi possível porque, naquela época, a fiscalização das empresas na bolsa era bem menos vigilante", diz o economista Maílson da Nóbrega.
Em 2003, já com uma maior transparência do sistema e a má situação da Bombril cristalina, as ações da companhia chegaram à sua pior cotação na década - 2,80 reais. Hoje, o valor é de 6 reais.
"É um milagre a Bombril ter sobrevivido, ela era o avesso de uma empresa moderna", diz o economista José Bacellar, um dos três administradores apontados pela Justiça para gerir a companhia depois do escândalo Cragnotti. Sobre esse período, ele incluiu um capítulo no livro A Surdez das Empresas, que fala de sua experiência na reestruturação de empresas. Lançado recentemente, o livro foi alvo de uma ação legal e chegou a ser retirado das prateleiras.
O autor da ação foi Ronaldo Sampaio Ferreira .- que decidiu reassumir o comando da empresa e tem feito tudo para proteger sua imagem.
Colecionador de carros de luxo, como o Mercedes 300 SL, uma raridade, e criador de gado, Ronaldo reconhece que é capaz de atos inconsequentes. "Sou um apaixonado por novidades", comenta. Ele aprendeu a manter os pés no chão a um custo alto. A palavra do dia hoje na Bombril é diversificar a linha de produtos. Não é apenas por causa da concorrência.
A Bombril, que já teve 90% do mercado de lã de aço no Brasil, agora detém uma fatia de 70% (os outros 30% estão nas mãos da Hypermarcas, dona da Assolan). A diversificação é também necessária porque a procura pelo produto tende a encolher - caiu 10% somente no ano passado. Os hábitos de consumo estão mudando.
As panelas de hoje não precisam mais ser areadas. As televisões tampouco têm antena. Mais preocupadas em manter as unhas benfeitas, as mulheres começaram a buscar produtos de limpeza até com hidratante. Para manter sua tão valiosa marca, a Bombril tem pela frente o desafio de adequar-se aos novos tempos.
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