sábado, 22 de agosto de 2009



22 de agosto de 2009
N° 16070 - CLÁUDIA LAITANO


O melhor amigo do inimigo e vice-versa

Há anos sou perseguida por uma história que eu gostaria que me contassem. Como os personagens são reais, imaginava que um bom documentário ou uma biografia talvez dessem conta do recado. Recentemente, cheguei à conclusão de que um filme ou um livro convencional não contariam a história do jeito que eu gostaria.

Na minha fantasia, a amizade de Raul Seixas e Paulo Coelho só poderia ser narrada como tragédia, gênero que, por definição, explora o conflito de um personagem com seu destino – e poucos destinos são tão dramaticamente distintos, e de certa forma equivalentes, como os de Raulzito e Dom Paulete depois do fim da parceria.

Esta semana, os dois voltaram a dividir as manchetes dos cadernos culturais do país inteiro. Raul sendo homenageado com livros, discos e filmes pelos 20 anos de sua morte (21 de agosto de 1989), Paulo Coelho chegando ao cinema em uma grande produção internacional (o filme Veronika Decide Morrer, que estreia neste mesmo fim de semana).

Há sempre uma tensão em qualquer tipo de dupla – amigos, amantes, parceiros artísticos, sócios. De um lado, a afinidade que aproxima. Do outro, a diferença que torna a parceria estimulante para ambas as partes. Depois de estabelecido o laço, começam não apenas as trocas, mas as cobranças mútuas e as pequenas (ou gigantescas) disputas de poder. Algumas alianças encontram nessa tensão um ponto de equilíbrio que lhes dá combustível e estabilidade.

Outras se rompem ao primeiro vento contrário, sem muitos danos de parte a parte. Há ainda as duplas que terminam em uma espécie de big bang ao contrário, como se fosse impossível um rompimento sem implodir junto um pedaço da história de cada um.

Mas, mesmo quando as separações são relativamente pacíficas ou consensuais, as partes de uma dupla estão eternamente condenadas ao cotejamento. O sucesso de um aumenta o fracasso do outro, e vice-versa.

Paulo Coelho e Raul Seixas se conheceram em 1972, quando Raul usava paletó e gravata e Paulo Coelho escrevia sobre discos voadores. A empatia foi fulminante. Entre 1973 e 1976, compuseram juntos e testaram afinidades e diferenças. Reza a lenda que Raul saiu mais maluco do que entrou, e Paulo mais careta.

Raul morreu aos 44 anos, no limite da decadência física, e se tornou um ídolo talvez maior do que a própria obra. Paulo Coelho tornou-se um ídolo mundial – apesar da própria obra. Ambos definiram o período de convivência de forma muito parecida: “Éramos amigos e inimigos íntimos” (Paulo Coelho), “Eu era o melhor amigo do inimigo e vice-versa” (Raul Seixas).

Em uma de suas últimas entrevistas, no Programa do Jô, Raul narra uma cena surreal: está caminhando na rua, nos Estados Unidos, quando vê um palhaço catando comida em uma lata de lixo. O palhaço o encara e faz um gesto para que ele se sirva do banquete, e Raul aceita.

Anos depois, nem tantos assim para o tamanho da reviravolta simbólica, Paulo Coelho é convidado pela rainha Elizabeth II para um banquete no Palácio de Buckingham – e também aceita. Dava ou não dava uma tragédia?

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