quarta-feira, 19 de agosto de 2009


GILBERTO DIMENSTEIN

O Milagre de Santa Luzia

O documentário de Sérgio Roizenblit é apresentado pelo sanfoneiro Dominguinhos, que se recusa a entrar num avião

DEMOROU tanto tempo para Sérgio Roizenblit produzir seu filme sobre a sanfona no Brasil, a ser lançado na próxima semana, que alguns de seus principais entrevistados morreram.

Foram tantas as mortes -Mário Zan, Sivuca, Patativa do Assaré e Marines-, que os amigos faziam comentários em tom de brincadeira. "Diziam que me dariam qualquer coisa. Menos uma entrevista."

O problema foi menos o dinheiro para produzir "O Milagre de Santa Luzia" -Luiz Gonzaga, o rei do baião, nasceu no dia de homenagem a essa santa- do que uma fobia de seu principal personagem. O documentário é apresentado pelo sanfoneiro Dominguinhos, que se recusa a entrar num avião. Apenas se locomove de carro -e, muitas vezes, ele mesmo vai guiando.

O problema é que para fazer as gravações foram necessárias dezenas de viagens de Norte a Sul do Brasil. Só para o Pantanal foram três viagens; mais quatro para o Rio Grande do Sul. Para complicar, as entrevistas estavam condicionadas à imprevisibilidade das brechas abertas entre os shows de Dominguinhos.

O incômodo só não foi maior porque, o que Sérgio mais gosta, desde a adolescência, é de viajar pelo Brasil. "Gostava mais de viajar por aqui do que pelo exterior." De preferência, ia sozinho. Isso explica, pelo menos em parte, porque ele, formado em comunicação visual pela Faap, nutria uma profunda incompatibilidade com a escola, sentia claustrofobia em sala de aula.

Dedicou-se a produzir documentários e vídeos, sempre mantendo suas viagens pelo interior do Brasil. Teve a ideia de falar sobre o país pela sanfona. Dominguinhos era o nome óbvio para fazer as entrevistas.

Além de ser considerado o maior sanfoneiro brasileiro, uma referência mundial, era parceiro e íntimo amigo de Luiz Gonzaga -fala-se até que, quando estava mais velho, ele não entrava num estúdio se não estivesse acompanhado de Dominguinhos.

Para prestar a homenagem ao amigo, de quem foi cria, Dominguinhos aceitou a proposta -mas ninguém sabe o que é lidar com alguém que não anda de avião e tem uma agenda repleta de shows. "Tínhamos de enfrentar de enchentes que inundavam as pistas a índios que, protestando, bloqueavam a estrada." Mas depois que esses obstáculos eram ultrapassados, dava para se divertir -e, pelas imagens gravadas, se divertiram muito.

Dominguinhos não se contém em risos quando um sanfoneiro conta que, numa festa, um homem, com cara fechada e peixeira na mão, manda os músicos ficarem em silêncio. Pede uma música em inglês -língua que nenhum deles nem remotamente sabia falar. E mais: tinha de ser do Sinatra. Saiu dali certamente a versão mais hilária já feita de "New York, New York".

Terminado esse documentário, Sérgio ainda não definiu seu próximo projeto. Mas, apesar de ter gostado da experiência de ter viajado tanto e por tanto tempo para rodar "O Milagre de Santa Luzia", prefere, da próxima vez, menos quilômetros. "Meu próximo filme será feito dentro de um apartamento", brinca.

PS - As imagens do sanfoneiro cantando "New York, New York" estão no

gdimen@uol.com.br

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