quarta-feira, 26 de agosto de 2009



26 de agosto de 2009
N° 16074 - JOSÉ PEDRO GOULART


Morte anunciada

Por mais que a vida contenha um balaio de incompreensões mais ou menos semelhantes para todos, algumas coisas são ainda mais incompreensíveis – por isso mesmo mais inaceitáveis.

Como a morte de uma criança, a morte de um filho. Nessa categoria também esta a vida suprimida por vontade própria. O suicídio de uma pessoa jovem, sem problemas objetivos aparentes, bordeja a tragédia e o desaforo.

No final da semana passada a comunidade que usa o Twitter ficou estarrecida com aquelas que seriam as últimas palavras de uma publicitária de 33 anos. Ela escreveu: “bai pipou! Foi bom brincar com vocês! bjo bjo”. Isso dito logo em seguida da seguinte frase: “tomando decisões bastante importantes”.

A informação chegou a mim com a morte já confirmada, de modo que o bilhete lacônico insistia em reverberar na tela do meu computador – “bai pipou!

Foi bom brincar com vocês! bjo bjo” – como se a pessoa ainda estivesse ali. O monitor que fica só a três palmos do meu rosto, e portanto me isola do meu mundo, me conectou a um outro de maneira inesperada.

Passei a ter reações como se eu conhecesse aquela moça. Tive pena, tive raiva. Formulei teses sobre o meio virtual, sobre a banalização do uso desse meio e os perigos de sua contaminação por ideias mórbidas.

E sobre a fluidez e a instabilidade do ser; fatos assim atiçam nossas próprias trevas pessoais. Sobretudo, mergulhado nesse poço de incompreensões, tive que lidar com um súbito afeto, simultâneo a perda dele.

Por mais que eu quisesse passar para outro assunto insistindo que aquilo não era comigo (e com a polícia ainda não confirmando o suicídio), aquelas palavras – “foi bom brincar com vocês” – me atingiam. Era um contrassenso, um paradoxo.

E o cunho infantil da mensagem, a falta de explicações profundas, a falta de um porquê, me atiravam ainda mais no poço e me prendiam ali, solitário, escurecido.

Todo os dias as páginas policiais trazem dezenas de assassinatos. Os jornais estampam crimes porque sabem que há curiosidade. O cinema, a literatura, veem na tragédia, na morte, temas poderosos para discutir a vida.

Mas o suicídio é tabu. Há o temor do exemplo. E há o preconceito ético/religioso, inoculado na maioria, que cada um tem um destino a cumprir por mais duro que possa ser.

Mesmo assim, senti que devia escrever a respeito. E mesmo que eu nada soubesse sobre a moça que achava bom brincar nem seus motivos para interromper a brincadeira lhe devolvo, comovido, o beijo deixado no seu pequeno testamento. E prossigo.

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