terça-feira, 18 de agosto de 2009



18 de agosto de 2009
N° 16066 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Em preto e branco

Tem muita gente indo embora. Não para a tranquilidade de Gramado, a agitação de São Paulo, as batalhas senatoriais da Ilha da Fantasia. Para mais longe, para o lugar de onde não se volta.

Uma noite dessas, percorrendo um álbum de formatura, me surpreendi com o número de amigos que jamais tornarei a ver. Este rapaz alto, que teria dado um notável magistrado, se foi em um acidente estúpido. Esta menina, que eu chamava de Sol, porque sua simples presença transmitia a luz que habitava seu coração, sofreu por anos de uma doença que lhe sequestrou o sorriso.

Este cara elegante e sério, que subiu a elevados postos em um país que precisa mais do que nunca de figuras dotadas de sua visão, foi apunhalado por um mal terrível e traiçoeiro.

Paro aqui. A lista é extensa. Por alguma estranha razão, a Ceifadeira, cedendo a um perverso capricho, deteve-os nestas fotos em preto e branco ao invés de cuidar de gentes que não fariam a menor falta ao mundo: terroristas, tiranos, torturadores. Não infiram disso que eu seja a favor da sentença capital.

Ao que parece, no entanto, Deus Nosso Senhor, distraído e velho, não anda escolhendo bem as suas Barqueiras.

Deve acometê-lo, em suas prolongadas insônias, o duelo entre a infinita justiça, que é um de seus atributos, com a incomensurável compaixão, com a qual foi igualmente agraciado. Para não se incomodar com as engrenagens celestes, nem pergunta o que andam aprontando as Parcas.

Me dou conta de repente de que falei na Ceifadeira, nas Barqueiras, nas Parcas. Não usei uma só vez a palavra Morte, que é o verdadeiro nome das três. Superstição, temor, senso de preservação? Não creio.

Acredito, sim, que mais proveito teria se, em lugar deste álbum, escolhesse outro livro. Ocorre que sou um leitor compulsivo e incurável. Colocava uma estante em ordem e topei com a lombada vermelha, com a capa em que há o desenho de uma balança.

Pegou-me a nostalgia, mais um de meus inúmeros maus hábitos. Foi aí que, para redimir-me de tão melancólicos pensares, voltei a folhear o álbum, desta vez atento aos que ainda não marcaram seu encontro com o Absoluto.

E, na dualidade do tempo, percebi um suave milagre. Recordei que vários de meus colegas, naquelas páginas ainda imersos em juventude, estão hoje feito ilustrações em sépia.

Já as colegas, continuam tão lindas como nas fotos antigas, como se para elas não existissem calendários ou ponteiros. Vai ver que essa é a verdadeira justiça divina, essa a sua real compaixão: aprisionar ternamente a eternidade em beleza.

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