terça-feira, 25 de agosto de 2009



25 de agosto de 2009
N° 16073 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Praça da Alfândega

No outro sábado, uma delicada cirurgia foi feita a céu aberto na Praça da Alfândega. Guindastes, caminhões, dezenas de técnicos e operários removeram 10 palmeiras, algumas para pontos diversos do mesmo local, as sobrantes para a Avenida João Pessoa.

Segundo li, entre mortos e feridos salvaram-se todos os troncos esguios, o que garante que o transplante contribuirá para recompor a imagem do espaço segundo era no distante ano da graça de 1924.

Trata-se de uma operação que reconstrói o traçado original de um marco de referência dos porto-alegrenses e salva da deformação a fisionomia original da cidade menina. Não é pouco.

Minha mais remota lembrança da Praça da Alfândega data de 1955, quando meu pai inaugurou ali a primeira Feira do Livro da mui leal e valorosa. Tenho presente até hoje na memória a escassa dúzia de barracas e o discurso que ele pronunciou, mostrando que cultura e democracia eram irmãs gêmeas.

Depois descobri, já adolescente, que ali era a Cinelândia da Capital. Imperial, Guarani, Rio, Rex, Central, Ópera se perfilavam nas calçadas para apresentar os últimos sucessos de Hollywood, França e Bahia. Aquele foi o livre território de meus primeiros namoros e de meu encantamento com a Usina de Sonhos.

E aí foi chegando lentamente a decadência. Fecharam-se os cinemas, uma reforma mal planejada e pior aplicada pavimentou o passado com as pedras de um calçadão, chegou a violência de braços dados com a marginalidade, já não era mais possível, como fazíamos Mario Quintana e eu, visitar a Livraria da Globo perto das 10 da noite.

E então foi tudo ladeira abaixo. As pessoas começaram a atravessar aquele trecho abraçadas em suas bolsas e carteiras, prostitutas e assaltantes tomaram conta de bancos e aleias, até a Feira do Livro precisou ser cercada de barreiras de proteção e de defesa.

Agora se removem as palmeiras. Agora Porto Alegre experimenta uma meia-volta para a paisagem perdida de sua infância.

Mas nunca chegaremos até ela enquanto a Praça da Alfândega não tornar a ser um espaço de segurança, confiança e liberdade.

Bem todos os dias estou ali, vendo-a, sentindo seu aroma, cruzando suas alamedas, ela faz parte de minha vida. Uma ótima terça-feira e para quem está de folga hoje, uma ótima folga.

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