sábado, 22 de agosto de 2009



22 de agosto de 2009
N° 16070 - PAULO SANT’ANA


Um dia pra esquecer

Deixemos que a própria colega nossa, Michele Iracet, 29 anos, companheira de zerohora.com, que trabalha no espaço contíguo ao meu aqui na Redação, conte da bandida imbecilidade de que foi vítima quinta-feira passada aqui na Avenida Ipiranga:

“A gente nunca sabe o que pode acontecer num dia comum. Já escrevi aqui que dias comuns podem se tornar inesquecivelmente perfeitos. No entanto, o dia de ontem se tornou inesquecível, mas de uma forma desagradável.

Ano passado, ganhei uma bolsa grande. Nunca usei bolsas grandes, até porque me conheço e sei que, quanto maior for o espaço, maior é a bagunça. Enfim, adotei aquele presente e pus nele tudo o que eu achava que precisava... e também o que só ajudava a entortar mais a minha coluna para o lado esquerdo. Era fácil, prático. Chaves, celular (que depois que ganhei um novo comecei a carregar dois, por pura preguiça de repassar toda minha agenda), MP3, pen drive.

Não me apego a coisas materiais. Comecei esta história pela bolsa porque foi por causa dela que perdi algo de que eu me gabava: minha sensação de segurança. Aquela que todos temos e pensamos: “Acontece com os outros, não comigo”.

Meu horário de trabalho sempre foi megacedo: sete da manhã. Saía de casa acompanhada pelo seguranças noturnos do meu prédio, que iam pra casa. Mesmo assim me cuidava.

Há poucas semanas, mudaram meu horário, que se tornou intermediário. De cara pensei: mais seguro. Vou sair e pelo menos ver o sol de manhã. Uma bênção!

Ontem, dia cinza, me arrumei e saí rumo ao outro lado de uma das avenidas mais movimentadas de Porto Alegre. Mas não passei da ponte. Dois caras de bicicleta me abordaram e só disseram para que eu passasse a bolsa ‘NA BOA’!

Prontamente! Peguei a bolsa e, quando fui entregar, eles já a agarraram e se viraram. Mas a maldita da bichinha se enroscou no botão do meu casaco, dando a impressão pra eles de que eu estava resistindo em entregar. Pra quê!!!

Primeiro veio o tapa na cara. Depois uma derrapada no chão... e uma sequência de chutes no estômago e na barriga que me deixou sem ar pra respirar. Mesmo com tudo isso, a imagem que não sai da minha cabeça é a arma virada pro meu rosto e as palavras do cara:

– QUER VER EU TE MATAR? QUER VER EU TE MATAR?

Bem, dali eles partiram, e levaram parte boa de mim junto.

Fiquei no chão. Tremendo. Sem ar. Com as calças ‘molhadas’, sim, nunca mais brincarei com a expressão ‘fez xixi nas calças’, pois só quem passa por essa experiência sabe que é inevitável acontecer. Tudo o que eu precisava era que alguém segurasse a minha mão.

Não sinto raiva. Não sinto tristeza. Sinto medo. Medo de passar por isso de novo. Medo de que pessoas que eu amo passem por isso. Medo de ver nos olhos daqueles rapazes a capacidade de matar por tão pouco.

Minha família já passou por uma experiência dessas. Meu pai tinha um armazém. Dois caras entraram, roubaram o que podiam, tentaram estuprar a minha irmã (que por sorte desmaiou e eles desistiram). O que eles levaram de dinheiro e coisas materiais nem conta, mas eles levaram algo também de que até hoje sinto falta: O MEU PAI!

Não, ele não morreu. Só que, desde aquele dia, meu pai, por causa da sensação de impotência de ver o que ele construiu ir embora tão fácil e de ver a filha sendo atacada tão covardemente, sofreu um AVC e vive dependente até hoje.

Não sei como essas histórias vão terminar, mas sei como a violência já mudou minha vida. Rezarei todos os dias para que esse tipo de coisa fique longe de todos.

O que me deixa triste é que eu sei que só quando eu morrer é que a sensação de segurança que perdi voltará, assim como a possibilidade de correr para os braços do meu pai e ser agarrada no colo novamente”.

Esses monstros acabaram por extinguir, pelo menos por uns dias, o sorriso mais exuberante de nossa Redação. Levanta-te, Michele!

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