segunda-feira, 24 de agosto de 2009


MOACYR SCLIAR

No mar da paixão

Ela hesitou. E depois, num assomo de coragem que a ela própria surpreendeu, disse que tivera um encontro

Um golfinho brincalhão levou uma banhista a entrar em pânico na Nova Zelândia, ao tentar fazê-la permanecer mais tempo no mar. Ambos estavam brincando nas águas da praia de Mahia. Cansada e com frio, a mulher decidiu sair da água. Entretanto, o animal não queria parar de brincar e fez de tudo para que ela não voltasse à praia.

Frequentadores de um café perto do local escutaram os gritos da banhista e foram resgatá-la de barco. A mulher, que preferiu permanecer anônima, disse que em nenhum momento o golfinho pareceu ameaçador. "Eu fui nadar sozinha um tanto tarde, o que provavelmente não foi a decisão mais sábia", disse ela depois do incidente.

"Brincamos por um tempo, mas quando eu quis voltar ele quis continuar brincando. Eu estava exausta e entrei em pânico." Moko, o golfinho do episódio, é um conhecido mascote da área. Durante o verão, centenas de banhistas se divertem brincando com ele.

Mas, no inverno, quando a temperatura beira zero grau nas águas do norte da Nova Zelândia, apenas uns poucos se atrevem a encarar o mar. Moradores acreditam que na estação fria Moko se sinta solitário.

AINDA abalada depois da aventura do golfinho, ela voltou ao hotel, para o elegante apartamento que partilhava com o marido. Que recebeu-a com impaciência. "Isto são horas de voltar da praia? Eu não disse a você que tínhamos um compromisso?"

Sim, ele dissera que tinham um compromisso naquela noite. Um jantar com empresários, coisa que para o esposo, empresário ele próprio, seria muito importante: bons negócios poderiam nascer dali, ou pelo menos assim ele o esperava. E bons negócios, sobretudo em época de crise, não devem ser desprezados.

De modo que a irritação dele se justificava. Enquanto ela, rápida e atabalhoadamente, se vestia, ele continuou insistindo: queria saber a razão do atraso. Havia nisso um elemento de ciúmes: ele sempre encarava com suspeição as saídas delas. -Você se encontrou com alguém, por acaso?

Ela hesitou. E depois, num assomo de coragem que a ela própria, mulher tímida, surpreendeu, disse que sim, que tivera um encontro. Fez uma pausa e prosseguiu: -Com o Moko. - Quem? - Moko. O golfinho. Ele a olhou, primeiro surpreso, e depois furioso: você é idiota, mulher, completamente idiota, eu lhe faço uma pergunta séria e você vem com essas besteiras. Insistiu para que ela terminasse logo de se arrumar.

Ela respirou fundo. Aquele, ela o sentia, era um momento decisivo, o momento pelo qual ela tanto ansiara e que tanto temia (coisa que, evidentemente, ele não estava percebendo). Com inesperada calma, disse que não iria a jantar algum: preferia ficar no hotel, repousando. Ele rosnou um palavrão e saiu, batendo com a porta.

Cansada, ela se deitou. Ficou pensando no golfinho com quem tinha brincado toda a tarde. Era com ternura que lembrava o gracioso e solitário animal, os olhinhos enigmáticos a fitá-la. Se houvesse um equivalente masculino das sereias, pensou, certamente teria a forma de um golfinho.

Acabou adormecendo. E sonhou. Com um golfinho, claro, um golfinho que a levava mar adentro, rumo a um palácio submarino onde os dois viveriam felizes para sempre.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha.

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