quarta-feira, 26 de agosto de 2009



26 de agosto de 2009
N° 16074 - DAVID COIMBRA


Briga no vestiário

Tudo dava briga na turma. Nada mais do que falar da mãe, claro. Uma vez, contei já, um gordinho disse que minha mãe não era virgem. Bá. Apliquei-lhe uma rasteira, ele deu uma sentada, uma daquelas sentadas que o cara dá e não se levanta mais sozinho.

Safado. Minha mãe é virgem e sempre foi virgem e sempre será. Qualquer homem decente sabe que todas as mães são virgens.

Bom. Fora as mães em geral e a minha em particular, o que rendia mais briga era bola. Lá no Alim Pedro o pessoal assistia aos jogos do alto dos morros que rodeavam o campo, aboletados na grama como se a grama fosse arquibancada.

Ficavam lá, olhando e esperando, fumando coisas. De repente, estourava uma discussão na grande área, normalmente porque o Cabral, selvagem lateral-direito do Canarinho, tinha trincado uma tíbia. Ou um perônio, sabe-se lá.

Aí eles desabavam do morrinho gritando feito comanches, brandindo sarrafos como se fossem tacapes, não sei de onde tiravam tanto sarrafo. O time adversário, se desse tempo, saía na tradicional desabalada carreira e se contentava em perder por dáblio ó. Se não desse, era uma polvadeira, era manotaço, era pernada, era paulada.

Já briguei muito em joguinho. Não que gostasse. Não gosto, sou contra. Mas era preciso, naquele tempo. Coisa de guri bobo.

Domingo passado, o Fabiano Eller, que de guri e de bobo nada tem, contou sobre uma briga que travou com o Fábio Costa, pouco tempo atrás, quando jogava no Santos. O time refocilava no pântano da linha do rebaixamento.

No intervalo de um jogo desastrado contra o Sport, Eller repunha as forças com goles de isotônico, sentado no chão do vestiário, e o zagueirão Domingos irrompeu no ambiente esbravejando com sua voz de Aguinaldo Rayol, seu bíceps de Hollyfield e seu peito de aço:

– Pô! Ninguém tá jogando nada! Temos que pegar, pô! Temos que pegar!

Talvez sua linguagem tenha sido um pouco mais impublicável, mas, como foi impublicável, não publicá-la-ei como foi. Tratou-se de mais ou menos isso, em todo caso. Eller se irritou com a cobrança:

– Tu também não está jogando nada! Então Fábio Costa fez sua entrada. E, tomando as dores de Domingos, foi direto para cima do Eller.

– O que que é? O que que é?

Fábio Costa, como se sabe, é um goleiro com cara de mau que, quando levanta o braço, sua mão ultrapassa a altura do travessão. Meteria medo até em um cara brabo como o Wianey Carlet.

Mas Eller, em vez de se intimidar, valeu-se de um trunfo que é decisivo na maioria dos conflitos: a surpresa. Antes que Fábio Costa pudesse dizer cucamonga, ele se pôs de pé e desferiu-lhe dois mata-cobras, um com a direita, outro com a canhota, PUM!, PAM!

Fábio Costa tonteou, cambaleou e, espumando de fúria, decidiu partir para o revide. Só que cometeu um erro: quis tirar a camisa de goleiro antes da luta. Enquanto a puxava pela cabeça, Eller se aproveitou e mandou mais dois socos bem mandados, mas bem mandados mesmo, CADOF!,

CAPOF!, e Fábio Costa, batido, urrando de raiva, lá ficou, enredado na camisa, já seguro pelos colegas apaziguadores, jurando que ele ia ver só, que ia ter volta, ia ter, ah, como ia ter.

Não teve. Hoje Eller e Fábio Costa falam-se cordialmente, como dois adultos que são. Mas o incidente, contado assim com tanta sinceridade por um de seus protagonistas, expõe meandros do futebol profissional pouco conhecidos do público.

E prova que o futebol, por profissional que seja, continua sendo uma brincadeira, jamais será muito diferente daquele joguinho de vila, no qual homens feitos, muitas e muitas e muitas vezes, se comportam como guris bobos.

O que, aliás, é um ponto a favor do futebol.

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