sábado, 29 de agosto de 2009



29 de agosto de 2009
N° 16078 - NILSON SOUZA


Observadores

Tenho horror de pássaro preso. Por isso, levei um susto quando uma amiga de muitos anos me procurou na hora do café e disparou:

– Quero te contar uma coisa legal: tem dois passarinhos no meu apartamento.

– Não vais me dizer que compraste uma gaiola? – reagi, já quase indignado.

Ela riu da minha preocupação. Contou que são visitantes ocasionais, mas que têm aparecido com frequência, pousam no parapeito, entoam os seus cânticos e já nem se assustam mais com a sua movimentação no interior da casa. Perguntei-lhe, então, que tipo de aves seriam – se sabiás, corruíras, canários, bem-te-vis, saíras...

Ela não sabe. Só sabe que têm azul nas costas e branco no peito, mas me prometeu que vai fotografá-los para que a gente possa identificar em algum catálogo ornitológico. É curioso como as mulheres – obviamente que com as exceções de sempre – conhecem pouco sobre as espécies de pássaros.

Suponho que seja uma questão cultural: os meninos da minha época caçavam, faziam bodoques, perseguiam os pobres bichinhos nas árvores – maldades jamais compartilhadas pelas garotas. Felizmente tínhamos má pontaria.

Eu, pelo menos, jamais consegui acertar uma pedra em qualquer coisa que se mexesse, quanto mais nos voadores. Mas aprendi a conhecê-los: coleiros, tico-ticos, anus, almas-de-gato e outros mais ou menos votados. Já naquela época, porém, detestava ver um pássaro engaiolado, saltando inquieto de um poleiro para outro, cantando algum canto triste pela liberdade perdida.

Os donos de viveiros e gaiolas costumavam dizer – acho que ainda dizem – que aquelas aves nasceram no cativeiro, que soltá-las seria uma condenação à morte. Nunca me convenci muito disso. Se os bichos pudessem decidir, tenho certeza de que optariam pelos riscos da liberdade.

Bom, mas não estou querendo entrar em guerra com ninguém. Desde que não me convidem para ver pássaro preso, tolero este estranho prazer dos engaioladores. Me consolo pensando que tem coisa muito pior neste mundo: os espanhóis, por exemplo, se divertem torturando touros.

Eu, como a minha amiga, me transformo nesta época num silencioso observador dos pássaros que encontro nas ruas e nas praças.

Quando caminho pela manhã na beira do rio, costumo deparar com rolinhas, barreiros, quero-queros e garças – também eles, em seus voos, observadores deste animal rastejante que enaltece a liberdade e constrói gaiolas.

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